A nossa democracia tem muitos limites. Muitos deles são de carácter constitucional mesmo. Mas os maiores deles são os dos quadros mentais limitados em que se movem muitos dos detentores do poder político, sejam eles de que força partidária forem.
De facto, em Portugal muito poucos membros da nossa classe política devem ter lido o ensaio sobre a Liberdade de John Stuart Mill. Convivem mal com as opiniões alheias quando lhes são incómodas, pressionam se têm poder para tanto, tentam anular os críticos e as suas ideias dissemelhantes ou dissonantes.
Foi assim ontem, desde Abril de 74, como é hoje e provavelmente será amanhã. E estes políticos de hoje que vivem no meio e do meio mediático têm particular predilecção e vontade de dominarem as opiniões e comentários que circulam nesses meios. E fazem-no directa e indirectamente, quer por interpostas pessoas quer usando a praça pública ou a palavra para condicionarem o rumo da conduta dos media e dos próprios jornalistas que lhes dão conteúdo.
O nosso actual Primeiro-Ministro é, todos hoje o sabem, uma pessoa que vive da imagem, que usa e abusa dos meios mediáticos para promover a sua acção político-partidária, que tem uma vontade enorme de protagonismo e um voluntarismo inesgotáveis. Mas que também tem uma indomável vontade de controlo das mensagens mediáticas a seu respeito.
Por isso, mostrou a sua ira e raiva relativamente a uma televisão, mais claramente a uma edição informativa de sexta-feira da TVI apresentada pelo pivot Manuela Moura Guedes. Edição semanal de sexta-feira que não lhe era agradável, respeitosa, conscienciosa, favorável, numa palavra, um telejornal que usava a liberdade de indagar, de noticiar, de informar quem quer que o quisesse ouvir, numa linha editorial específica e livremente assumida. A que só assistiriam obviamente os portugueses que quisessem, concordando ou discordando dos conteúdos e tendência informativa, no uso pleno da sua vontade própria, da sua liberdade individual e do direito a serem informados livremente.
Só que a TVI tem donos, novos e recentes donos não portugueses, capitalistas espanhóis maioritários, do grupo PRISA, muito próximo do Partido Socialista Espanhol. Que agora decidiu administrativamente, e na véspera de o serviço ir de novo para o ar na TVI, silenciar o tal telejornal incómodo para o Primeiro-Ministro de Portugal, em nome de uma pretensa reorganização para introduzir homogeneidade dos conteúdos informativos do canal.
Algumas perguntas se podem e devem fazer para que qualquer de nós possa avaliar o que está ou esteve em causa nesta decisão accionista do grupo que detém a TVI.
Porque decidir acabar com o telejornal apenas agora, a menos de um mês das eleições em Portugal?
O grupo PRISA toma esta decisão, sabendo que ela tem óbvias consequências políticas, prejudicando simultaneamente o Primeiro-Ministro de Portugal que está a disputar o acto eleitoral?
O grupo PRISA toma esta decisão independentemente dos comentários desfavoráveis produzidos pelo Primeiro-Ministro de Portugal relativamente ao telejornal da TVI?
O grupo PRISA toma agora esta decisão depois de o director da estação ter também ele saído recentemente e ser ligado familiarmente ao pivot deste mesmo telejornal da TVI?
O grupo PRISA, que está politicamente ligado ao Partido Socialista Espanhol que por sua vez tem óptimas relações com o Primeiro-Ministro de Portugal, não se importa de tomar inoportunamente uma decisão que poderá ter prejuízos para esse mesmo Primeiro-Ministro que acarinhou em tempo a entrada da PRISA na Media Capital que detém a TVI?
O grupo PRISA tem algo a ganhar com retirar da antena um telejornal que era líder de audiências em Portugal?
O grupo PRISA entende que lhe será vantajoso económica ou financeiramente prejudicar eventualmente o Primeiro-Ministro de Portugal na sua possível reeleição em Portugal?
Estas são perguntas que podem e devem ter resposta. Mas há também uma outra, contrafactual, que tem de se fazer imediatamente.
Se tudo continuasse como estava quando o pivot do canal foi de férias e o telejornal continuasse a ser editado quem ganharia mais e quem mais perderia? O Grupo PRISA ou o Primeiro-Ministro de Portugal, o engenheiro José Sócrates?
Porque a resposta a este contrafactual pode permitir desvendar a substância do que processualmente nunca poderá concluir-se que tenha acontecido.
E fica a liberdade em Portugal, tal como ela extensivamente deve ser entendida, obviamente limitada e amputada de algo que ainda em Agosto a caracterizava: o telejornal das sextas-feiras da TVI apresentado pela jornalista Manuela Moura Guedes.
Como bem escrevia Gitelman em 2005 “…as tradições autoritárias da Rússia significam que as pessoas não estão habituadas a comportamentos e valores democráticos, tais como a favorecerem o pluralismo no pensamento e comportamento, tolerando a discordância e a suportarem aparentemente métodos menos eficientes de tomada de decisão democrática. Eles não vêem facilmente as vantagens do debate, da discussão e da não-conformidade, e a não-deferência para com uma classe de ´superiores´” (fim de citação, tradução nossa).
E a Rússia parece afinal estar aqui bem perto, senão mesmo no meio de nós, trinta e cinco anos depois de Abril de 1974. A Liberdade vale bem mais do que isto que é lamentável e mais parece próprio do “Portugal Amordaçado”…!
P. S.: Confesso que eu próprio só comecei a ver o telejornal da TVI das sextas-feiras quando me apercebi dos comentários negativos que o nosso Primeiro-Ministro e membros do Partido Socialista sobre ele fizeram na nossa imprensa.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto
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