segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Desporto Escolar e Grandes Eventos Desportivos para o PS


O Primeiro-Ministro de Portugal no final de toda uma legislatura e já praticamente no âmbito da campanha eleitoral para as eleições legislativas falou finalmente sobre o desporto, a sua importância na sociedade portuguesa e também sobre o sucesso da sua política neste mandato que agora termina. E acrescentou depois as principais opções políticas para aquela área numa eventual nova legislatura sob a égide do seu Partido Socialista.

No Fórum do Desporto das Novas Fronteiras onde falou há apenas alguns dias, José Sócrates afirmou estar orgulhoso do trabalho desenvolvido pelo seu Governo na área desportiva e reforçou a importância do apoio ao desporto escolar. E disse também que “A organização de grandes eventos desportivos internacionais é absolutamente fundamental para um país como Portugal, pois isso promove a prática desportiva, induz o investimento em infra-estruturas desportivas e porque isso é o melhor contributo para a afirmação de Portugal do ponto de vista internacional" (sic).

Quanto à importância do desporto escolar no âmbito das políticas públicas de desenvolvimento desportivo ela é inquestionável. A prática desportiva regular ao longo da vida, a detecção de talentos para a competição de alto rendimento, a alimentação do desporto federado e dos clubes desportivos com atletas praticantes regulares, a valia social de integração de populações desfavorecidas, a disseminação de valores de competição e de superação das limitações e capacidades individuais, a protecção e promoção de hábitos de vida saudáveis, o combate a várias doenças predominantes nas sociedades de abundância ocidentais, tudo isto, bem como o estímulo ao melhoramento do capital social e ao desenvolvimento harmonioso das comunidades locais, fazem do desporto escolar um instrumento e subsistema essencial ao desenvolvimento sustentado do desporto português.

Só que agora aqui impõe-se perguntar se esse foi o caminho seguido na anterior legislatura pelo Governo Socialista de José Sócrates. Se, nomeadamente, foram dados ao desporto escolar os recursos financeiros e humanos, foram feitas as relações interdepartamentais necessárias entre os departamentos governamentais da educação, do desporto, da saúde e as autarquias locais, foram estabelecidos os adequados programas nas escolas, foram feitos trabalhos de ligação com as autarquias e desenvolvidos quadros sistemáticos de políticas de fomento do desporto escolar local, ou se foram estabelecidos os quadros organizativos que dariam ao desporto escolar o impulso que uma política integrada de desenvolvimento do desporto efectivamente exigiria?

Que se conheça publicamente do trabalho desenvolvido pela Secretaria de Estado do Desporto ao longo da presente legislatura nunca houve efectiva ligação interdepartamental com o Ministério da Educação nem com as autarquias, nomeadamente nestas através da respectiva Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP).

Nem no Instituto do Desporto de Portugal, que depende organicamente da Secretaria de Estado do Desporto, mesmo depois de ter sido revista a sua estrutura orgânica e adequados os respectivos estatutos, foi possível identificar qualquer esforço coordenado e sistemático na direcção do fomento do desporto escolar. O que aliás não é inusitado porque a Secretaria de Estado do Desporto nunca apresentou preocupações significativamente audíveis relativamente a esse mesmo desporto escolar, o qual continuou completamente entregue apenas ao Ministério da Educação.

Ora, ao que se viu durante toda a legislatura, o desporto escolar restringiu-se organizativa e financeiramente aos esforços dos Ministério da Educação, onde deteve uma pequena representatividade e nível de organização, e às autarquias locais, estas no domínio das suas políticas locais respectivas e na medida em que apoiavam o trabalho desenvolvido nas escolas da sua jurisdição territorial.

E estas duas entidades, Ministério da Educação e Autarquias Locais, eram na prática real as únicas responsáveis pelo desporto escolar, de forma efectiva, sem que tenha sido perceptível a existência de qualquer esforço organizativo ou sistemático da Secretaria de Estado do Desporto para com esse desporto escolar.

Por isso, então o que vai mudar para a nova legislatura que aí se avizinha com o Programa do Partido Socialista para que o desporto escolar, na sua importância e significado organizacional, estrutural e social, passe das palavras de circunstância para o terreno dos programas, das estratégias e das acções concretas de desenvolvimento desportivo?

Aqui há que ir ao Programa Eleitoral do Partido Socialista e ver que nele sobre esta matéria se diz apenas o seguinte: “(…) Consolidar o aumento da prática desportiva na escola, em articulação com o sistema educativo, contribuindo para estender o desporto a toda a escolaridade obrigatória, no contexto estratégico de uma «Escola a tempo inteiro» (…)” (citação).

Fica-se por conseguinte apenas no domínio das intenções genéricas sem se apontarem os modelos de cooperação interdepartamental, os programas e as estratégias de intervenção e fomento ou mesmo as estruturas e os processos de melhoria organizacional do desporto escolar.

Quanto à importância atribuída pelo Primeiro-Ministro aos grandes eventos desportivos, as afirmações proferidas e acima referidas, mereciam que em Portugal se realizassem estudos sérios que pudessem comprovar sobre a efectiva relevância desses eventos nos aspectos a que José Sócrates faz referência. Quer, como ele diz, como estimuladores da prática desportiva, quer como geradores de novas infra-estruturas desportivas ou mesmo como contribuintes para a afirmação internacional do País.

E isto devia ocorrer à semelhança do que é feito em muitos outros países, com destaque para o Reino Unido como aqui neste sítio já detalhadamente se expôs. Desde logo porque em Portugal este tipo de estudos não são habitualmente realizados, por isso não se conseguem provar consequentemente os efectivos benefícios para o fomento da prática desportiva dos maiores eventos desportivos recentemente realizados no País.

Essas nem têm sido, aliás, preocupações conhecidas das autoridades públicas desportivas, nem mesmo das associações federativas que os promovem. Porque nos estudos internacionais, muitos deles de carácter académico e científico, em casos conhecidos mesmo inseridos em publicações académicas de economia e gestão do desporto, ou em livros internacionais de economia dos eventos desportivos ou do desporto, que se vão realizando e editando em muitos países sobre os efectivos impactos dos grandes eventos, não se confirmam tão categoricamente, como agora o nosso Primeiro-Ministro afirma, esses efeitos da realização de grandes eventos desportivos para os países ou mesmo estados de países federados onde eles se realizam.

E isto tanto ocorre nos maiores eventos mundiais, como o são os Jogos Olímpicos e os Campeonatos Mundiais de Futebol, como em outros tipos de eventos desportivos de menor envergadura de outras modalidades desportivas.

Acontece em bom rigor que nada do que respeita à análise dos efeitos ou impactos desportivos ou de outras naturezas dos grandes eventos desportivos para os países que os realizam é tão simples e significativamente afirmativo como referiu o nosso Primeiro-Ministro naquele Fórum do Desporto.

Por exemplo no Reino Unido, que temos estudado e referenciado por diversas vezes em outras oportunidades e neste mesmo sítio, começaram por se estudar os impactos da realização dos Jogos Olímpicos de Londres muito antes da sua atribuição pelo Comité Olímpico Internacional e com recurso a uma metodologia inovadora neste tipo de estudos que foi a análise de custos-benefícios. E para a candidatura à realização do Campeonato Mundial de Futebol em 2018 foi feito em Inglaterra, mais de três anos antes da candidatura efectiva entregue em 2009 na FIFA, um estudo de viabilidade da candidatura por impulso do então ainda Ministro das Finanças Gordon Brown (hoje Primeiro-Ministro como sabemos).

Ora, é muito importante destacar também que a candidatura efectiva do Reino Unido, amplamente discutida e preparada ao longo de vários anos pelas respectivas organizações políticas e desportivas envolvidas, só veio a ser apresentada à FIFA já depois da candidatura conjunta de Portugal e Espanha ter sido avançada naquele organismo internacional. E em Portugal e Espanha, ao que é público e reconhecido, não existiu praticamente discussão sobre a candidatura que em Portugal nem oficialmente recebeu o apoio governamental explícito e formal.

O que acontece lamentavelmente é que esta candidatura conjunta dos dois países não tem ainda hoje em Portugal qualquer estudo conhecido que a suporte e sustente, ainda que esse estudo já tenha sido prometido há muitos meses pelo respectivo Presidente da Federação Portuguesa de Futebol interessada com a indicação de que seria rapidamente disponibilizado à opinião pública nacional. E ainda agora não se conhece qualquer compromisso efectivo do Governo português à sustentação da realização do evento, mesmo depois de a intenção de candidatura ter sido apresentada na FIFA pelas duas Federações envolvidas.

Aliás, é de destacar o facto estranho de, já depois do actual Secretário de Estado do Desporto ter demonstrado há vários meses interesse pessoal naquela candidatura, ainda que não vinculando o Governo de Portugal como é óbvio, o Programa Eleitoral do Partido Socialista ser completamente omisso quanto a esse apoio formal à realização do Campeonato Mundial de Futebol de 2018 em Portugal.

Aliás, deve também dizer-se que ainda hoje não foi realizado nenhum estudo que tente avaliar os efectivos impactos desportivos da realização do EURO 2004 em Portugal; e incluem-se nestes, nomeadamente para ir de encontro às afirmações tão categóricas do Primeiro-Ministro de hoje, aqueles que medissem os aumentos efectivos da prática desportiva no futebol e outras modalidades relevantes nos locais onde se realizaram as infra-estruturas do evento, por exemplo. Nem nunca se mediram os efeitos/impactos económicos efectivos dos diferentes estádios de futebol que serviram o EURO 2004, sabendo-se que em vários deles as assistências regulares de espectadores têm sido francamente reduzidas; e no caso do estádio do Algarve ele nem sequer tem eventos desportivos de futebol regulares mas ao invés faz incorrer duas Câmaras Municipais em encargos anuais significativos para acautelar a sua manutenção e conservação.

Como já em outra ocasião escrevemos, no Reino Unido a entidade encarregada de avaliar as candidaturas internas para a realização de eventos desportivos, bem como a que tem procedido à medição efectiva dos impactos económicos de muitos desses eventos que no país se têm vindo a realizar, é o UKSport. Esta agência de natureza não-governamental é também a líder da concretização das políticas de fomento e de desenvolvimento do “desporto de elite do Reino Unido”, conduzindo também, por isso mesmo, o processo de financiamento da participação Olímpica do país.

O UKSport tem como sua estratégia global quanto aos eventos desportivos a de apoiar aqueles que tenham relevância estratégica e que produzam, ao mesmo tempo, um conjunto de benefícios duradouros de carácter desportivo, económico e “sócio-cultural”.

Em Portugal, como se viu pela prática efectiva desta legislatura que agora termina, estivemos sempre muito longe de nos aproximarmos, quer na política de fomento do desporto escolar quer na da percepção dos reais efeitos da realização de eventos desportivos no País, daquilo que seria próprio de uma política desportiva evoluída e de boa e adequada sustentação estratégica. Toda a legislatura decorreu aliás sem que fossem promovidos estudos regulares sobre temas de economia e gestão desportiva, o que atesta da insuficiência de fundamentação de muitas das opções políticas seguidas durante o mandato que agora vai terminar. E o que é mais preocupante é que em nada parece que se vá mudar muito com o discurso supra-referido do actual Primeiro-Ministro e líder do Partido Socialista nem com as afirmações e propostas contidas no Programa Eleitoral respectivo (ver o texto integral do Programa que foi exposto num post anterior).

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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