A natureza e as características da crise económica, financeira e social portuguesa tem parecido inequívoca a muitos dos intervenientes na vida política nacional, desde logo ao Presidente da República que a nomeou recentemente como insustentável, mas também aos líderes dos partidos da oposição à direita do Governo. Só para o Primeiro-Ministro e muitos dos seus apagados ministros, a gravidade da crise nacional tem aparecido branqueada, aqui e ali por umas pequenas décimas de crescimento económico semestral, por uma momentânea paragem decimal do número de desempregados, ou ainda por um qualquer investimento público ou privado numa creche, num hospital, numa escola ou até sabe-se mais o quê.
Agora está na ordem do dia o Orçamento de Estado para 2011 que o Governo irá brevemente apresentar ao Parlamento e ao País. Sobre o seu conteúdo, opções, prioridades políticas e estratégia em que o mesmo se insira para o crescimento económico nos próximos anos sabe-se zero, nada mesmo.
Não diz uma palavra o Primeiro-Ministro, nada diz o Ministro das Finanças e estão calados todos os restantes Ministros sobre quaisquer opções ou linhas de política das suas respectivas áreas de governação. O que paira no ar são as “boutades de reentrada” do Senhor Engenheiro e dos seus correligionários de partido à volta da magnânime defesa do estado social e do património geneticamente puro e intocável da Constituição da República a esse respeito e não só.
Enquanto que ao mesmo tempo o maior partido da oposição volta a anunciar as duas condições mínimas que tinha fixado há algumas semanas para poder viabilizar o dito Orçamento de Estado, em defesa da sua noção de responsabilidade nacional e de contributo para a manutenção da tão prestimosa estabilidade governativa, sirva lá para o que servir, pelo menos até à eleição do próximo Presidente da República.
A crise que era gravíssima e insustentável desaparecerá com que estratégia do País, com que escolhas de políticas, prioridades e opções? E com que reestruturação ou redefinição do Estado?
Não sabemos, não viremos a saber proximamente, porque se houver o pré-anunciado “tango orçamental”, a convergência entre os dois maiores partidos, o compromisso mínimo necessário, tal “engenharia democrática maior” já tem a bênção prometida do actual Presidente da República, que ainda agora anunciou publicamente a sua vontade para tal beneplácito régio a esse “negócio inter-pares”.
Portanto, o insustentável de há poucas semanas pode esperar mais um ano, melhor dito mais uns seis meses, pelo menos. Depois, logo se verá se tudo voltará a mudar no mundo para ficarmos de novo insustentavelmente à beira do abismo profundo e da morte rápida.
Porque isto dos “negócios maiores” da nossa afamada República laica tem as suas variantes, umas em fá sustenido, outras em dó maior e outras em ré bemol. Os réus deste destino assim cumprido já se conhecem agora, vão continuar a conhecer-se nos próximos meses e anos desta década (a caminho da perdição): os muitos milhares de desempregados e o empobrecimento geral dos restantes portugueses!
Muitas centenas de milhares, dos melhores e mais bem preparados do ponto de vista educativo, sairão à procura de outras paragens, como o fizeram nestes últimos dez anos mais de setecentos mil outros portugueses.
É assim, os compromissos são o fim da linha das negociações, onde se trocam umas coisas por outras, onde se ganha e se perde, em nome dos interesses maiores dos dignitários do regime político que comanda a Nação.
Lembremos então por dever de consciência nas considerações gerais seguintes o enquadramento de crise económica, financeira e social em que Portugal se encontra envolto nesta circunstância em que vai decorrer a tal dita incontornável negociação do Orçamento para 2011:
1. Os últimos anos têm vindo a permitir definir com muito maior clareza e exactidão os níveis e a natureza estrutural da crise económica e financeira portuguesa. Se algumas dúvidas ainda persistissem sobre a profundidade dessa crise, a discussão que emergiu em volta do conteúdo do PEC 2010-2013 que o Governo veio a ter que apresentar à União Europeia desvaneceram-nas totalmente.
2. Nos próximos anos, Portugal estará confrontado com um conjunto amplo de medidas muito duras e abrangentes de carácter orçamental. Todavia, esse enorme esforço de redução do défice orçamental e das despesas públicas, bem como das várias iniciativas de privatização empresarial, anunciam, mesmo assim, e em simultâneo, um crescimento económico muito fraco e muito provavelmente em nova rota de desvio relativamente à média da União Europeia.
3. No final de 2013, anuncia-se como previsão um PIB que será praticamente idêntico ao de 2008, que já de si foi muito pouco superior ao do início da primeira década do século XXI. Assim, estará o País durante mais de uma década com um nível de crescimento económico francamente insuficiente e que o afasta da convergência com a média da União Europeia e da Zona Euro.
4. Subsistem também hoje aos mais diversos níveis de intervenção política e pública deficiências perceptíveis sobre a organização e dimensão estrutural e funcional do Estado, que possibilitariam, se devidamente enfrentadas, a correcção permanente do nível da despesa pública.
5. Ao mesmo tempo, constata-se a quase ausência, senão mesmo um enorme vazio, em torno da definição clara e estruturada de uma verdadeira estratégia de crescimento da economia, que incluísse nomeadamente as grandes opções de criação de riqueza e da transformação do tradicional paradigma de desenvolvimento que vem sendo reiteradamente assumido como estando em completo esgotamento.
6. Há também, por outro lado, e lamentavelmente, uma perceptível falta de pensamento estratégico em Portugal, patente aos mais diversos níveis governamentais e institucionais, pensamento que deveria traduzir-se numa afirmação consistente dos caminhos e modelos organizativos da economia e da sociedade portuguesa para a consequente inserção do País nas modernas dinâmicas internacionais da globalização competitiva que atinge violentamente a Europa e o Mundo.
7. Não é também infelizmente comparável o nível de sofisticação das nossas políticas públicas com as que facilmente se reconhecem em outros países mais desenvolvidos da Europa e da América, onde existem organizações académicas e científicas ou da sociedade civil que estruturam essas mesmas políticas de uma forma aprofundada e eficaz. A educação, a saúde ou a justiça são áreas governamentais exemplares dessas incapacidades nacionais de conceber e protagonizar tais políticas públicas.
8. As Universidades são o grande centro produtor de conhecimento científico e de investigação do mundo moderno, têm um papel insubstituível na formação dos quadros qualificados das diferentes sociedades nacionais, e foram uma vez mais inseridas como uma das prioridades da nova estratégia da Europa (até 2020), agora em início de discussão na União Europeia, estratégia que visa continuar e melhorar os resultados da anterior “Agenda de Lisboa” e dar à Europa um novo impulso de afirmação competitiva à escala mundial. Mas em Portugal as Universidades não estão profundamente envolvidas na preparação das soluções capazes de afrontar e solucionar as situações mais dilemáticas da sociedade portuguesa.
9. Não custa reconhecer, portanto, que a Universidade Portuguesa poderia vir desde já a ter um papel de ímpar relevância na promoção de soluções portuguesas para todo um conjunto de problemas de desenvolvimento e crescimento económico de Portugal nesta segunda década do século XXI. Ademais é certo que não existem dúvidas de que as Universidades dispõem das capacidades humanas e organizacionais que lhe poderiam permitir envolver-se diferenciada e vantajosamente na procura de boas e efectivas soluções para algumas das mais determinantes questões do desenvolvimento económico e social de Portugal durante os próximos anos desta década.
10. São temas determinantes para a evolução da vida económica e social de Portugal ao longo dos próximos anos, para os quais as Universidades estariam especialmente vocacionadas e habilitadas, os seguintes:
Reorganização/Reinvenção e Gestão Estratégica do Estado;
Agenda Nacional para o Crescimento Económico;
Competitividade de Portugal na Europa e no Mundo Globalizado;
A Universidade Portuguesa na Economia do Futuro.
Face à magnitude dos problemas enunciados que condicionam a qualidade e dignidade de vida dos portugueses na próxima década, como se poderá então entender que exista na própria Presidência da República esta noção simplista e mistificadora de que o Orçamento de Estado para 2011 pode apenas resultar de uma negociação inter-partidária minimalista que origine um qualquer denominado superior compromisso de estabilidade política e governativa?
E que tal negócio orçamental mínimo possa ser então superiormente considerado pelos nossos mais responsáveis órgãos da soberania republicana como o tal voluntarioso exercício estabilizador para um Portugal em que a situação de gravíssima crise económica, financeira e social é insofismável (pese embora o manobrismo ilusionista e propagandístico do actual Primeiro-Ministro e de vários dos seus Ministros)?
Nota de Interpretação: “Cada vez é menos possível uma sã política sem larga antecipação histórica, sem profecia” (Ortega Y Gasset, “Meditación de Europa”, Revista de Occidente, 1966, pág. 49).
José Pinto Correia, Economista
Agora está na ordem do dia o Orçamento de Estado para 2011 que o Governo irá brevemente apresentar ao Parlamento e ao País. Sobre o seu conteúdo, opções, prioridades políticas e estratégia em que o mesmo se insira para o crescimento económico nos próximos anos sabe-se zero, nada mesmo.
Não diz uma palavra o Primeiro-Ministro, nada diz o Ministro das Finanças e estão calados todos os restantes Ministros sobre quaisquer opções ou linhas de política das suas respectivas áreas de governação. O que paira no ar são as “boutades de reentrada” do Senhor Engenheiro e dos seus correligionários de partido à volta da magnânime defesa do estado social e do património geneticamente puro e intocável da Constituição da República a esse respeito e não só.
Enquanto que ao mesmo tempo o maior partido da oposição volta a anunciar as duas condições mínimas que tinha fixado há algumas semanas para poder viabilizar o dito Orçamento de Estado, em defesa da sua noção de responsabilidade nacional e de contributo para a manutenção da tão prestimosa estabilidade governativa, sirva lá para o que servir, pelo menos até à eleição do próximo Presidente da República.
A crise que era gravíssima e insustentável desaparecerá com que estratégia do País, com que escolhas de políticas, prioridades e opções? E com que reestruturação ou redefinição do Estado?
Não sabemos, não viremos a saber proximamente, porque se houver o pré-anunciado “tango orçamental”, a convergência entre os dois maiores partidos, o compromisso mínimo necessário, tal “engenharia democrática maior” já tem a bênção prometida do actual Presidente da República, que ainda agora anunciou publicamente a sua vontade para tal beneplácito régio a esse “negócio inter-pares”.
Portanto, o insustentável de há poucas semanas pode esperar mais um ano, melhor dito mais uns seis meses, pelo menos. Depois, logo se verá se tudo voltará a mudar no mundo para ficarmos de novo insustentavelmente à beira do abismo profundo e da morte rápida.
Porque isto dos “negócios maiores” da nossa afamada República laica tem as suas variantes, umas em fá sustenido, outras em dó maior e outras em ré bemol. Os réus deste destino assim cumprido já se conhecem agora, vão continuar a conhecer-se nos próximos meses e anos desta década (a caminho da perdição): os muitos milhares de desempregados e o empobrecimento geral dos restantes portugueses!
Muitas centenas de milhares, dos melhores e mais bem preparados do ponto de vista educativo, sairão à procura de outras paragens, como o fizeram nestes últimos dez anos mais de setecentos mil outros portugueses.
É assim, os compromissos são o fim da linha das negociações, onde se trocam umas coisas por outras, onde se ganha e se perde, em nome dos interesses maiores dos dignitários do regime político que comanda a Nação.
Lembremos então por dever de consciência nas considerações gerais seguintes o enquadramento de crise económica, financeira e social em que Portugal se encontra envolto nesta circunstância em que vai decorrer a tal dita incontornável negociação do Orçamento para 2011:
1. Os últimos anos têm vindo a permitir definir com muito maior clareza e exactidão os níveis e a natureza estrutural da crise económica e financeira portuguesa. Se algumas dúvidas ainda persistissem sobre a profundidade dessa crise, a discussão que emergiu em volta do conteúdo do PEC 2010-2013 que o Governo veio a ter que apresentar à União Europeia desvaneceram-nas totalmente.
2. Nos próximos anos, Portugal estará confrontado com um conjunto amplo de medidas muito duras e abrangentes de carácter orçamental. Todavia, esse enorme esforço de redução do défice orçamental e das despesas públicas, bem como das várias iniciativas de privatização empresarial, anunciam, mesmo assim, e em simultâneo, um crescimento económico muito fraco e muito provavelmente em nova rota de desvio relativamente à média da União Europeia.
3. No final de 2013, anuncia-se como previsão um PIB que será praticamente idêntico ao de 2008, que já de si foi muito pouco superior ao do início da primeira década do século XXI. Assim, estará o País durante mais de uma década com um nível de crescimento económico francamente insuficiente e que o afasta da convergência com a média da União Europeia e da Zona Euro.
4. Subsistem também hoje aos mais diversos níveis de intervenção política e pública deficiências perceptíveis sobre a organização e dimensão estrutural e funcional do Estado, que possibilitariam, se devidamente enfrentadas, a correcção permanente do nível da despesa pública.
5. Ao mesmo tempo, constata-se a quase ausência, senão mesmo um enorme vazio, em torno da definição clara e estruturada de uma verdadeira estratégia de crescimento da economia, que incluísse nomeadamente as grandes opções de criação de riqueza e da transformação do tradicional paradigma de desenvolvimento que vem sendo reiteradamente assumido como estando em completo esgotamento.
6. Há também, por outro lado, e lamentavelmente, uma perceptível falta de pensamento estratégico em Portugal, patente aos mais diversos níveis governamentais e institucionais, pensamento que deveria traduzir-se numa afirmação consistente dos caminhos e modelos organizativos da economia e da sociedade portuguesa para a consequente inserção do País nas modernas dinâmicas internacionais da globalização competitiva que atinge violentamente a Europa e o Mundo.
7. Não é também infelizmente comparável o nível de sofisticação das nossas políticas públicas com as que facilmente se reconhecem em outros países mais desenvolvidos da Europa e da América, onde existem organizações académicas e científicas ou da sociedade civil que estruturam essas mesmas políticas de uma forma aprofundada e eficaz. A educação, a saúde ou a justiça são áreas governamentais exemplares dessas incapacidades nacionais de conceber e protagonizar tais políticas públicas.
8. As Universidades são o grande centro produtor de conhecimento científico e de investigação do mundo moderno, têm um papel insubstituível na formação dos quadros qualificados das diferentes sociedades nacionais, e foram uma vez mais inseridas como uma das prioridades da nova estratégia da Europa (até 2020), agora em início de discussão na União Europeia, estratégia que visa continuar e melhorar os resultados da anterior “Agenda de Lisboa” e dar à Europa um novo impulso de afirmação competitiva à escala mundial. Mas em Portugal as Universidades não estão profundamente envolvidas na preparação das soluções capazes de afrontar e solucionar as situações mais dilemáticas da sociedade portuguesa.
9. Não custa reconhecer, portanto, que a Universidade Portuguesa poderia vir desde já a ter um papel de ímpar relevância na promoção de soluções portuguesas para todo um conjunto de problemas de desenvolvimento e crescimento económico de Portugal nesta segunda década do século XXI. Ademais é certo que não existem dúvidas de que as Universidades dispõem das capacidades humanas e organizacionais que lhe poderiam permitir envolver-se diferenciada e vantajosamente na procura de boas e efectivas soluções para algumas das mais determinantes questões do desenvolvimento económico e social de Portugal durante os próximos anos desta década.
10. São temas determinantes para a evolução da vida económica e social de Portugal ao longo dos próximos anos, para os quais as Universidades estariam especialmente vocacionadas e habilitadas, os seguintes:
Reorganização/Reinvenção e Gestão Estratégica do Estado;
Agenda Nacional para o Crescimento Económico;
Competitividade de Portugal na Europa e no Mundo Globalizado;
A Universidade Portuguesa na Economia do Futuro.
Face à magnitude dos problemas enunciados que condicionam a qualidade e dignidade de vida dos portugueses na próxima década, como se poderá então entender que exista na própria Presidência da República esta noção simplista e mistificadora de que o Orçamento de Estado para 2011 pode apenas resultar de uma negociação inter-partidária minimalista que origine um qualquer denominado superior compromisso de estabilidade política e governativa?
E que tal negócio orçamental mínimo possa ser então superiormente considerado pelos nossos mais responsáveis órgãos da soberania republicana como o tal voluntarioso exercício estabilizador para um Portugal em que a situação de gravíssima crise económica, financeira e social é insofismável (pese embora o manobrismo ilusionista e propagandístico do actual Primeiro-Ministro e de vários dos seus Ministros)?
Nota de Interpretação: “Cada vez é menos possível uma sã política sem larga antecipação histórica, sem profecia” (Ortega Y Gasset, “Meditación de Europa”, Revista de Occidente, 1966, pág. 49).
José Pinto Correia, Economista
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