quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Outras Políticas Públicas para Portugal


Desde há muitos anos que acompanho, por iniciativa individual profissional e também académica, o que em vários países do chamado mundo anglo-saxónico têm sido as experiências de reinvenção e de nova gestão da administração pública e universitária, e também das iniciativas institucionais e de orientação estratégica para a redefinição das políticas públicas sectoriais.

Assim, tenho contactado frequentemente com várias das inúmeras organizações pensantes (os denominados “think thanks”) do Reino Unido e dos EUA em diversas daquelas áreas das funções tradicionais do Estado. Acompanhei também com especial interesse o enorme esforço de reforma, melhor de reinvenção, da administração americana conduzido durante os mandatos do Presidente Clinton, alicerçada com suporte numa concepção teórica e académica completamente inovadora à época, a qual fez subsequentemente “escola” internacionalmente, e foi depois utilizada em países como a Nova Zelândia e a Austrália e ainda mais recentemente durante os mandatos do Partido Trabalhista de Blair e Brown no Reino Unido.

Essa intervenção longa dos vários anos de dois mandatos presidenciais de Clinton, em que foi proposta e concretizada uma profunda reinvenção da administração americana, tornou possível passar de um défice federal enorme, herdado da anterior presidência, para um significativo excedente orçamental, através de um vastíssimo conjunto de mudanças na concepção, gestão e estratégia de muitos departamentos e serviços públicos.

Em Portugal, estas preocupações reformadoras ou de reinvenção da nossa Administração Pública ou mesmo do Estado se falarmos mais genericamente, bem como os novos modelos de análise organizacional e funcional e os correspondentes instrumentos de formulação de políticas públicas têm sido quase completamente ignorados. Não é possível assim encontrar ainda hoje as fundamentações teóricas modelares, os estudos e documentos que têm substanciado as intervenções recentes de mudança na Administração Pública, que quase se esgotaram ou nas iniciativas do “Simplex” ou em reformulações das carreiras ou dos processos de avaliação do desempenho, com carácter meramente jurídico e mesmo assim com “lutas” muito equívocas e lideradas apenas pelos respectivos sindicatos interessados.

Em nenhum momento destas parcas mudanças dos últimos anos foram tentados exercícios de verdadeira mobilização das vontades e conhecimentos profundos dos quadros da nossa administração para repensarem a estratégia e planeamento, a organização e os processos de decisão dos seus departamentos e serviços públicos, situação que foi devidamente acautelada e amplamente estimulada na experiência do Presidente Clinton nos EUA.

Mais ainda, o Governo português não dispôs nunca no passado nem continua ainda hoje a dispor de qualquer “unidade estratégica” similar aquela que trabalhava junto do Primeiro-Ministro Britânico trabalhista e que foi durante anos produzindo estudos interdepartamentais profundos e devidamente referenciados do ponto de vista académico-científico, que funcionavam como adequados meios fundamentadores das políticas publicas a prosseguir nesses múltiplos domínios da intervenção governativa.


Mais ainda, todos aqueles trabalhos profundos de análise e propositura de intervenções nos diferentes espaços da vida pública nacional do Reino Unido estavam e ainda continuam agora a estar disponíveis em linha na internet para avaliação e estudo de todos os cidadãos e organizações daquele Reino.

Também não existe entre nós uma entidade como o FORFÁS da Irlanda que publica estudos e documentos sobre várias áreas da governação, nomeadamente virados para as estratégias que o país tem de prosseguir no concerto global nesses diferentes sectores económicos e sociais. Ali se podem encontrar permanentemente disponíveis variados estudos detalhados sobre a competitividade do país, sobre as escolhas nos domínios da ciência e tecnologia, sobre os caminhos de evolução do ensino superior e universitário, ou mesmo sobre as estratégias de desenvolvimento económico e empresarial em vários sectores da economia irlandesa.

Em Portugal, por outro lado, que eu tenha conhecimento, também nunca foi publicado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública ou pelo da Economia e Inovação qualquer documento governamental que referenciasse modelos de gestão e fundamentação de políticas públicas, como por exemplo os que se referem às políticas baseadas em evidências (“evidence-based policies” tão conhecidas no mundo anglo-saxónico). O que foi conhecido até hoje foi um documento bastante frágil do ponto de vista conceptual sobre o denominado “PRACE”, que era afirmado pelo Governo como o instrumento modelar da sua intervenção reformista na Administração Pública ou no Estado se assim preferirmos considerá-lo. E se formos, por exemplo, verificar os sites do Ministério da Ciência e Ensino Superior ou da Economia, Inovação e Desenvolvimento poderemos constatar um panorama comparativamente confrangedor com o que é facilmente verificável existir em sectores governamentais similares no Reino Unido.

Também, por outro exemplo, em Portugal não é ainda hoje possível dispor de um qualquer centro de estudos sobre a economia e a gestão da educação e, o que ainda é mais invulgar, de uma qualquer entidade universitária que investigue comparativamente a gestão/administração das universidades, contrariamente ao que facilmente se reconhece existir em países como os EUA, o Reino Unido ou mesmo a Holanda, a qual no caso da gestão universitária tem na Universidade de Twente há quase duas décadas o “Center for Higher Education Policy Studies” (“CHEPS”) que é uma indiscutível referência mundial. E neste caso particular pode facilmente aceder-se aos diversíssimos estudos que sobre a gestão universitária europeia e mundial aquele “Centro de Estudos” sediado na Holanda tem produzido ao longo destas últimas décadas.

Em Portugal, infelizmente até hoje não têm aparecido entidades públicas ou privadas capazes e com a ambição ou a vocação para promoverem o estudo comparado de muitas daquelas experiências de reinvenção, reforma ou nova gestão pública, as quais têm tido tradução em vários países, como acima referido, num conjunto de novas e mais eficazes políticas públicas sectoriais. Desde logo, o nosso Instituto Nacional de Administração não tem sido entidade activa e manifestamente empenhada em estudar essas experiências estrangeiras que foram levadas a cabo nas últimas décadas em vários países da OCDE, tendo realizado até hoje uma fraca produção de estudos e outros trabalhos de investigação dessa natureza. E mesmo no último Congresso da Administração Pública, realizado há alguns meses no final de 2009, estudos dessa natureza praticamente estiveram uma vez mais ausentes das discussões, e os discursos dos membros do Governo com a tutela da Administração Pública que ali intervieram publicamente foram sobre essas temáticas completamente vazios.

Portugal está, assim, muito longe de demonstrar capacidades de pensar e desenvolver concepções estratégicas para muitos dos sectores da vida pública. As políticas públicas sectoriais, departamentais e interdepartamentais ainda não gozam nem do prestígio nem do investimento organizacional e dos impulsos governamentais que a complexidade da gestão e desenvolvimento estratégico de muitos sectores de intervenção do Estado e da Administração Pública justificariam. Há, portanto, um longo caminho de melhoria da concepção das novas políticas públicas em Portugal, que merece tanto o esforço da sociedade civil e das suas respectivas organizações, como da própria orgânica ministerial, quer ao nível da chefia do gabinete quer dos próprios ministérios e dos seus correspondentes departamentos; sem esquecer também a indispensável coordenação interdepartamental que promova o estudo e a implementação das modernas políticas multissectoriais.

José Pinto Correia, Economista

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