(O texto que segue foi publicado originalmente no BLOG da Colectividade Desportiva, sob o mesmo título com que agora aqui se republica).
O acórdão da Adop, assinado pelo Professor Doutor Luís Sardinha, hoje finalmente conhecido e que condena o seleccionador nacional a uma pena atenuada de seis meses de suspensão é uma obra magnífica e um monumento clarificador do chamado poder de Estado. Ali se defendem desde a pureza virginal da mãe do Presidente da Adop, até aos indefesos e aristocráticos caracteres dos digníssimos membros das brigadas anti-dopagem. Para o IDP e o Governo que elabora tal acórdão e decisão nada pode tocar ou melindrar tanto a santa mãe de Sua excelência o Doutor Luís Horta como também a santíssima paz de espírito e sossego transcendental dos senhores médicos que colhem os líquidos e avaliam escrupulosamente os devidos parâmetros.
Mal, muitíssimo mal mesmo andou aquele indigno treinador, qual membro loquaz de uma ralé reles e desbocada, que usou impropérios e outras manobras vis, muitíssimo impróprias do santuário que é não apenas o futebol profissional português como o templo sacrossanto e as redomas de cristal em que vivem as brigadas doutorais da Autoridade e que dão lustro aos seus também muitíssimo dignos e puritanos dirigentes, o Presidente do IDP e o Secretário de Estado deste “nosso mui luminoso e celestial Governo”.
Tem Sua Senhoria Doutoral, o Professor Luís Sardinha, um especialíssimo cuidado em preservar o bom nome e a dignidade intocável dos homens (não se sabe se também há mulheres na Adop), alegando e ajuizando contra qualquer palavra mal dita sobre eles e seus mais estimados familiares, ou mesmo contra qualquer incidência que possa minimamente perturbar o seu protocoladíssimo trabalho e tarefas. E para tal julgam o IDP, através da Adop, e directamente também o Governo e o Senhor Secretário de Estado do Desporto que tutela o Instituto e a Adop, o seleccionador nacional de futebol a uma pena diferente e seis vezes superior aquela que a justiça desportiva autónoma tinha estabelecido.
E ainda se permite o Doutor Luís Sardinha, insigne catedrático de exercício e saúde de uma instituição de ensino universitário pública, a voluntariosa liberdade de fazer comentários desabonatórios sobre o acórdão proferido pelo órgão jurisdicional eleito da própria Federação Portuguesa de Futebol.
O IDP, e Professor Luís Sardinha, vem agora julgar em causa própria de um organismo que dele faz parte, a Adop, e o Governo vem também directamente e ainda mais inusitadamente sobrepor a sua “justiça” à da autónoma FPF.
Para além de toda a cândida argumentação e do virtuoso registo de puritanismo do acórdão do IDP, que certamente deve ser nos seus átrios e corredores um templo sacratíssimo de pureza e rectidão, o Governo vem interferir decisivamente na autonomia jurisdicional da FPF e do desporto, ao sobrepor uma sua avaliação jurídica aquela que tinha sido independentemente fixada pela justiça desportiva.
O Tribunal Arbitral do Desporto em Lausanne e a FIFA, por seu intermédio e talvez não apenas (o que se verá lá mais adiante), certamente terão subsequentemente a palavra sobre esta imparidade portuguesa, tanto mais que a fundamentação em casos antecedentes por jurisprudência no próprio acórdão do IDP é inexistente (como consta em discurso directo dos próprios termos da deliberação proferida).
Claro também é que toda esta trama político-jurídica da esfera governamental, aliada à habitualíssima incapacidade, incompetência, indecisão, e o apego aos lugares de praticamente toda esta Direcção da FPF, que lembremos vive no limbo jurídico por desconformidade estatutária há muitos meses, dá a este “Caso Queirós” um cheiro imenso a processo Kafkiano e ao Orwelliano “1984”. Lembraremos que neste último sistema político e governativo passou a imperar uma linguagem nova e asséptica, a “Novilíngua” onde inúmeras palavras antigas eram apagadas ou proscritas, e uma “Polícia do Pensamento” capaz não apenas de evitar a divergência e a dissidência tanto no pensar como na própria linguagem, como também de condenar os homens que pudessem ter um qualquer desses desvios, sobretudo quando estivessem dispostos a aceitar a sua responsabilidade individual pela desconformidade e o destempero. Portugal está pois, com esta magnífica peça acusatória do IDP e do Governo ao treinador Carlos Queirós no mundo das virgens e dos “juízes do tudo e do nada”, com um poder governamental que já nem faz questão ou cerimónia em invadir esferas autónomas e independentes do desporto para dar a cumprir a razão de Estado.
Queirós é nesta “ópera bufa” apenas um pequeno vulto destinado a expiar os pecados de lesa majestades que impropriamente cometeu.
Honra pois aos máximos virtuosos, excelsos e vigilantes Doutores da Secretaria de Estado do Desporto, do IDP, da Adop, e especialmente à virgem mãe do Doutor Luís Horta que ficará nos anais do desporto português e nos do Tribunal Arbitral do Desporto (e na FIFA, portanto).
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto
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