Há muito quem entre nós queira entender ou persuadir os outros a entender o Orçamento de Estado como o alfa e ómega da política nacional. E são tantos os que também pensam ou levam outros a pensar que tudo começa e acaba naquele instrumento financeiro do Estado, que é isso que ele efectivamente tende estaticamente a ser.
Convém desde já lembrar que um Orçamento de Estado é em primeiro lugar apenas e só um repositório de todas as receitas e despesas do Estado devidamente orçamentadas, porque não se podem desconhecer as inúmeras tendências para realizar despesas públicas significativas fora do denominado perímetro orçamental, vide o caso flagrantíssimo da empresa Estradas de Portugal que tem já encargos previstos para 2013 e seguintes de mais de dois mil milhões de euros ou os hospitais públicos que também têm vindo a fugir desse mesmo total de despesas orçamentadas.
Deve recordar-se que quer receitas e despesas públicas constantes do Orçamento de Estado, tanto umas como as outras, são encontradas com base nas políticas definidas pelo Governo da República para a captação de recursos ou para a assunção de despesas e correspondentes realização de pagamentos.
Um Orçamento de Estado é, por isso mesmo, apenas um instrumento de gestão do Estado que concretiza as respectivas políticas públicas, que definem opções e objectivos, corporizam estruturas e missões organizacionais, todas estas decididas pela maioria governamental que detém o poder executivo. Por isso mesmo, a substância de um Orçamento de Estado, aquilo que realmente o define e pelo qual ele deve ser ajuizado, são as respectivas políticas que ele acolhe e a que financeiramente dá lugar efectivo.
As políticas públicas escolhidas pelo Governo aos seus diferentes níveis orgânicos, os correspondentes objectivos e estratégias reais, as suas metas e escolhas selectivas, os seus diferentes públicos destinatários (das famílias, às empresas, aos diversos tipos de institutos e organismos públicos), as condições de justiça e equidade que as definem, a natureza dos seus instrumentos de concretização, os seus níveis de eficácia e eficiência, o rigor da sua aplicação e dos usos dos recursos públicos, a contribuição para a melhoria das condições da economia e do emprego, do investimento público e privado produtivo e criador de valor económico e social, esses são vários dos critérios de avaliação que contribuirão para definir do grau de eficácia e oportunidade das escolhas de um Orçamento de Estado.
Sabemos e temos consciência da gravidade da crise económica e social que atinge Portugal no momento presente. Temos também, e ao mesmo tempo, consciência da fragilidade da nossa economia que praticamente não cresce há uma década, dos níveis elevadíssimos de desemprego actual e da possibilidade do seu aumento ainda no futuro próximo, das dificuldades de atracção de investimento estrangeiro de monta e significado real que a economia demonstra, das imensas dificuldades em surgirem novos projectos empresariais na indústria e sectores transaccionáveis com efectiva capacidade inovadora e de exportação, das enormes teias da burocracia e da lentidão da justiça que é inimiga das iniciativas de dimensão amigas do emprego.
Sentimos também o enorme aumento do nível de impostos directos e indirectos que o País sofreu na última década e nos meses recentes que têm servido sobretudo e apenas para continuar a aumentar imenso o peso do Estado na economia nacional, traduzido numa despesa total que já ultrapassou em 2009 metade da riqueza criada anualmente. Sabemos que o Estado tem presença fortíssima num conjunto diversificado de sectores sociais, desde a educação à saúde, e em inúmeras empresas públicas altamente endividadas e deficitárias, para além de continuar a adjudicar um conjunto vasto de novas infra-estruturas rodoviárias, escolares, de saúde ou ainda de justiça, que já excedem os recursos orçamentais disponíveis e vão constituindo dívidas acumuladas para o futuro.
Todos também temos consciência que a enorme máquina estatal que prolifera por quase todos os cantos da sociedade portuguesa não fez ao longo de todos estes dez anos do presente século um real exercício de contenção estrutural que lhe pudesse permitir gastar menos dos recursos que a economia nacional praticamente estagnada consegue proporcionar.
Por tudo isso, a despesa pública ainda agora neste ano de PEC, já com novos aumentos de impostos, aumentou mais do que o previsto absorvendo a quase totalidade desses novos recursos, a dívida pública continuará a aumentar mais até próximo dos noventa por cento do produto, o endividamento externo diário (cada vez mais difícil e caro) não pára de crescer, e o défice orçamental de 2010 será talvez já duvidosamente contido como tinha sido prometido e anunciado há meses.
Todo este panorama de insustentabilidade das nossas finanças públicas e também simultaneamente dos nossos principais sistemas sociais não é suportável pela nossa debilitada economia sem que o Estado se concentre em diminuir estratégica e acentuadamente as suas despesas, sem um verdadeiro exercício de emagrecimento estrutural com objectivos departamentais máximos devidamente fixados para a respectiva despesa, e também com metas rigorosamente definidas em todos os diferentes subsectores departamentais e da administração pública, como a educação, a saúde, as autarquias ou mesmo as regiões autónomas.
O Estado tem mesmo de congelar ou diminuir despesas em muitas das suas áreas de intervenção, com critérios claramente assumidos e defendidos pelo Governo ao seu mais alto nível. Para isso, tem de haver escolhas políticas sérias, definição clara de estratégias departamentais e de prioridades devidamente programadas e orçamentadas, dotações máximas definidas para os diferentes sectores e departamentos da orgânica ministerial, e mesmo a imposição de uma verdadeira orçamentação de base zero em muitos institutos públicos e empresas públicas deficitárias.
Em síntese, em 2011, o Orçamento de Estado deve consubstanciar uma orçamentação estrategicamente orientada, rigorosa nas despesas máximas departamentais e nos institutos e empresas públicas deficitárias e com reais escolhas e opções políticas que possam depois ser objecto de verdadeiras avaliações de resultados face ao conjunto dos objectivos previamente estabelecidos.
Este sim seria um exercício orçamental inovador capaz de contribuir de modo eficaz e consequente para afirmar uma alteração efectiva do panorama de descalabro das contas públicas em que Portugal tem vindo a viver ano após ano desde 2010, o que lhe tem exigido aumentos constantes de impostos, que já atingiram patamares excessivos, e de dívida pública crescente e praticamente insuportável de sustentar para o futuro.
Em suma, pode dizer-se sem receio de erro que não haverá, uma vez mais e em 2011, verdadeiro saneamento das finanças públicas portuguesas sem que seja travado o crescimento das despesas públicas, sem que o Estado passe por um exigente e programado exercício de redução das suas imensas despesas em muitos departamentos e sectores públicos.
Mais a mais, este verdadeiro exercício de contenção do peso real do Estado na economia nacional é tanto ou mais necessário quanto é praticamente certo e assente que em determinados tipos de despesas sociais, que introduzem mais equidade e justiça social, haverá cada vez mais pressão para que aumentem significativamente por razões, respectivamente, do envelhecimento progressivo da população, da manutenção de taxas elevadas de desemprego estrutural, da diminuição da natalidade e do aumento dos números de pensionistas e reformados públicos e privados e dos seus correspondentes níveis médios de rendimentos a que têm direito legalmente estabelecido.
José Pinto Correia, Economista
Convém desde já lembrar que um Orçamento de Estado é em primeiro lugar apenas e só um repositório de todas as receitas e despesas do Estado devidamente orçamentadas, porque não se podem desconhecer as inúmeras tendências para realizar despesas públicas significativas fora do denominado perímetro orçamental, vide o caso flagrantíssimo da empresa Estradas de Portugal que tem já encargos previstos para 2013 e seguintes de mais de dois mil milhões de euros ou os hospitais públicos que também têm vindo a fugir desse mesmo total de despesas orçamentadas.
Deve recordar-se que quer receitas e despesas públicas constantes do Orçamento de Estado, tanto umas como as outras, são encontradas com base nas políticas definidas pelo Governo da República para a captação de recursos ou para a assunção de despesas e correspondentes realização de pagamentos.
Um Orçamento de Estado é, por isso mesmo, apenas um instrumento de gestão do Estado que concretiza as respectivas políticas públicas, que definem opções e objectivos, corporizam estruturas e missões organizacionais, todas estas decididas pela maioria governamental que detém o poder executivo. Por isso mesmo, a substância de um Orçamento de Estado, aquilo que realmente o define e pelo qual ele deve ser ajuizado, são as respectivas políticas que ele acolhe e a que financeiramente dá lugar efectivo.
As políticas públicas escolhidas pelo Governo aos seus diferentes níveis orgânicos, os correspondentes objectivos e estratégias reais, as suas metas e escolhas selectivas, os seus diferentes públicos destinatários (das famílias, às empresas, aos diversos tipos de institutos e organismos públicos), as condições de justiça e equidade que as definem, a natureza dos seus instrumentos de concretização, os seus níveis de eficácia e eficiência, o rigor da sua aplicação e dos usos dos recursos públicos, a contribuição para a melhoria das condições da economia e do emprego, do investimento público e privado produtivo e criador de valor económico e social, esses são vários dos critérios de avaliação que contribuirão para definir do grau de eficácia e oportunidade das escolhas de um Orçamento de Estado.
Sabemos e temos consciência da gravidade da crise económica e social que atinge Portugal no momento presente. Temos também, e ao mesmo tempo, consciência da fragilidade da nossa economia que praticamente não cresce há uma década, dos níveis elevadíssimos de desemprego actual e da possibilidade do seu aumento ainda no futuro próximo, das dificuldades de atracção de investimento estrangeiro de monta e significado real que a economia demonstra, das imensas dificuldades em surgirem novos projectos empresariais na indústria e sectores transaccionáveis com efectiva capacidade inovadora e de exportação, das enormes teias da burocracia e da lentidão da justiça que é inimiga das iniciativas de dimensão amigas do emprego.
Sentimos também o enorme aumento do nível de impostos directos e indirectos que o País sofreu na última década e nos meses recentes que têm servido sobretudo e apenas para continuar a aumentar imenso o peso do Estado na economia nacional, traduzido numa despesa total que já ultrapassou em 2009 metade da riqueza criada anualmente. Sabemos que o Estado tem presença fortíssima num conjunto diversificado de sectores sociais, desde a educação à saúde, e em inúmeras empresas públicas altamente endividadas e deficitárias, para além de continuar a adjudicar um conjunto vasto de novas infra-estruturas rodoviárias, escolares, de saúde ou ainda de justiça, que já excedem os recursos orçamentais disponíveis e vão constituindo dívidas acumuladas para o futuro.
Todos também temos consciência que a enorme máquina estatal que prolifera por quase todos os cantos da sociedade portuguesa não fez ao longo de todos estes dez anos do presente século um real exercício de contenção estrutural que lhe pudesse permitir gastar menos dos recursos que a economia nacional praticamente estagnada consegue proporcionar.
Por tudo isso, a despesa pública ainda agora neste ano de PEC, já com novos aumentos de impostos, aumentou mais do que o previsto absorvendo a quase totalidade desses novos recursos, a dívida pública continuará a aumentar mais até próximo dos noventa por cento do produto, o endividamento externo diário (cada vez mais difícil e caro) não pára de crescer, e o défice orçamental de 2010 será talvez já duvidosamente contido como tinha sido prometido e anunciado há meses.
Todo este panorama de insustentabilidade das nossas finanças públicas e também simultaneamente dos nossos principais sistemas sociais não é suportável pela nossa debilitada economia sem que o Estado se concentre em diminuir estratégica e acentuadamente as suas despesas, sem um verdadeiro exercício de emagrecimento estrutural com objectivos departamentais máximos devidamente fixados para a respectiva despesa, e também com metas rigorosamente definidas em todos os diferentes subsectores departamentais e da administração pública, como a educação, a saúde, as autarquias ou mesmo as regiões autónomas.
O Estado tem mesmo de congelar ou diminuir despesas em muitas das suas áreas de intervenção, com critérios claramente assumidos e defendidos pelo Governo ao seu mais alto nível. Para isso, tem de haver escolhas políticas sérias, definição clara de estratégias departamentais e de prioridades devidamente programadas e orçamentadas, dotações máximas definidas para os diferentes sectores e departamentos da orgânica ministerial, e mesmo a imposição de uma verdadeira orçamentação de base zero em muitos institutos públicos e empresas públicas deficitárias.
Em síntese, em 2011, o Orçamento de Estado deve consubstanciar uma orçamentação estrategicamente orientada, rigorosa nas despesas máximas departamentais e nos institutos e empresas públicas deficitárias e com reais escolhas e opções políticas que possam depois ser objecto de verdadeiras avaliações de resultados face ao conjunto dos objectivos previamente estabelecidos.
Este sim seria um exercício orçamental inovador capaz de contribuir de modo eficaz e consequente para afirmar uma alteração efectiva do panorama de descalabro das contas públicas em que Portugal tem vindo a viver ano após ano desde 2010, o que lhe tem exigido aumentos constantes de impostos, que já atingiram patamares excessivos, e de dívida pública crescente e praticamente insuportável de sustentar para o futuro.
Em suma, pode dizer-se sem receio de erro que não haverá, uma vez mais e em 2011, verdadeiro saneamento das finanças públicas portuguesas sem que seja travado o crescimento das despesas públicas, sem que o Estado passe por um exigente e programado exercício de redução das suas imensas despesas em muitos departamentos e sectores públicos.
Mais a mais, este verdadeiro exercício de contenção do peso real do Estado na economia nacional é tanto ou mais necessário quanto é praticamente certo e assente que em determinados tipos de despesas sociais, que introduzem mais equidade e justiça social, haverá cada vez mais pressão para que aumentem significativamente por razões, respectivamente, do envelhecimento progressivo da população, da manutenção de taxas elevadas de desemprego estrutural, da diminuição da natalidade e do aumento dos números de pensionistas e reformados públicos e privados e dos seus correspondentes níveis médios de rendimentos a que têm direito legalmente estabelecido.
José Pinto Correia, Economista
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