sábado, 23 de agosto de 2008

Desporto no Reino Unido e em Portugal (III)


Vamos agora completar a apresentação do novo documento orientador da política desportiva do Governo inglês publicado em Junho passado pelo DCMS com o título sugestivo de “Playing to win: A New Era for Sport”.

Mas desta feita vamos dar o devido destaque aos aspectos que respeitam aos propósitos, à governança das federações desportivas e ao papel mais alargado do Governo no âmbito do quadro geral da política de desenvolvimento desportivo.

Passemos a citar, por tradução livre:

“Os nossos propósitos”

Para criar uma nação desportiva líder mundial é essencial ter propósitos claros. Eles são:


1. Envolver mais 1 milhão de pessoas na participação regular no desporto;


2. Produzir uma incomparável plataforma de desenvolvimento de talentos desde a escola até ao nível de elite, com oportunidades de mais competição e mais treino a cada nível;


3. Assegurar que cada membro da família desportiva, e que cada parte do Governo, desempenha o seu papel.


“Governança das Federações Desportivas”

Durante a segunda metade de 2008 o Sport England estará a completar o processo que lhe foi atribuído de financiamento das Federações Desportivas para 2009-2013. No coração deste processo estará a atribuição de poderes (“empowerment”) às Federações Desportivas Nacionais em termos de maior controlo sobre o investimento de fundos públicos no seu desporto.

O corolário disto é que as Federações também terão maior responsabilidade e exigência de prestação de contas (“responsability and accountability”) deste financiamento – particularmente em termos da concretização dos resultados (“outcomes”).

O progresso relativamente ao alcance das metas (“targets”) e resultados será avaliado a cada 6 meses. A monitoria e avaliação trabalharão sobre a base da autonomia atribuída aquelas Federações que já operam de acordo com os elevados padrões e a eficácia da concretização será derivada da continuidade das tarefas, e aquelas Federações que tenham problemas relacionados com a sua governança ou concretização serão adequadamente apoiadas e atendidas.


“Um papel mais alargado para o Governo”

Como parte do seu papel estratégico, o DCMS trabalhará para ligar o trabalho do Sport England no desporto com o de outros Departamentos governamentais envolvidos com a actividade física.


É chave ligar a paisagem desportiva com o trabalho de outros Departamentos governamentais tais como o Departamento da Saúde e o Departamento dos Transportes no domínio da actividade física – não apenas porque o desporto desempenha um importante papel em ajudar a reduzir a obesidade tornando as pessoas mais activas.

O sector do desporto ao nível local continuará a trabalhar com as Fundações de Cuidados Primários (“Primary Care Trusts”) e outras para fornecer conjuntamente actividade física e desporto – um modelo que funciona actualmente bem no Yorkshire e em Humber. Contudo, as agências desportivas focalizarão os seus esforços e investimento no desporto, enquanto outras agências liderarão a prestação de actividade física.


Um legado importante dos Jogos de 2012 será o dos níveis aumentados de actividade física por todo o país. A nossa ambição é a de conseguir que 2 milhões de pessoas sejam mais activas em 2012 – o DCMS, o Departamento da Saúde, as Comunidades e o Governo Local, o Departamento para as Crianças, Escolas e Famílias e o Departamento para o Trabalho e Pensões estão a trabalhar em conjunto para financiarem as autoridades locais no aumento da participação na natação. Elas serão agora capazes de oferecer natação gratuita aos maiores de 60 anos, e novos fundos permitir-lhes-ão estender a oferta às crianças e tomar outras medidas para encorajarem mais pessoas a nadar. A nossa aspiração é dirigirmo-nos para a natação universalmente gratuita.

(…)

Mas as mais importantes ligações são com as Autoridades Locais, as quais colectivamente investem bem acima de 1 bilião de libras por ano no desporto.

As Autoridades Locais dirigem a prestação local e são o parceiro chave particularmente para o Sport England no fornecimento de uma infra-estrutura de desporto comunitário líder mundial. Elas estão melhor colocadas para conhecer as necessidades das populações locais, e são directamente responsáveis por a satisfazerem.

Cada área terá as suas próprias metas para a participação, definidas localmente, não por “diktat” central, como um modo suplementar de assegurar que nenhum grupo ou comunidade seja esquecido. Mais de metade de todas as Autoridades Locais escolheram o indicador de recreação activa e desportiva local nos seus Acordos de Área Local (“Local Area Agreements”).

“Conclusão”

(…)

Esta não é uma agenda do Governo definida de cima para baixo, ela coloca os peritos e entusiastas no comando, oferecendo aos desportos mais liberdade e controlo. Nós acreditamos que ela está a semear aquilo que as pessoas no desporto querem.

(…)” (fim de citação).

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

“O Comandante e o Desporto Olímpico de Portugal (I)”

O "nosso Comandante do COP – Comité Olímpico de Portugal” é uma figura insubstituível, digna de uma eventual estátua Olímpica, tantos e tão longos foram os serviços e anos em que nos liderou denodada, briosa e profissionalmente no “Desporto Olímpico” (só em mandatos quadrienais consecutivos vão completar-se em breve três).

Primava aquele nosso ilustre dirigente ainda há poucos meses por reafirmar o potencial de realizar em Portugal os Jogos Olímpicos, porque como referia repetidamente tal empreitada faria resplandecer desmesuradamente o nosso desporto ainda que fosse cada vez mais difícil “vender tão grandioso projecto”.

Depois, logo em seguida, continuando a sua gesta grandiosa do nosso devir desportivo, lançou a realização em Lisboa em 2009 da edição dos “Jogos da Lusofonia” orçados apenas nuns poucos 11 milhões de euros – projecto que o actual Governo, através do seu prestimoso Secretário de Estado do Desporto, se prontificou a financiar.

Entretanto, o nosso “Comandante do COP” alimentava pressurosamente o “Projecto Pequim 2008” e estabelecia objectivos de medalhas e pontos que lhe permitiam gerir os cerca de 15 milhões de euros contratualizados com o Governo da época. Pelo meio, anualmente, ia dando à estampa uns “Relatórios” cheios de números, quadros e critérios, mas em que avaliação organizacional, de métodos de preparação, padrões fixados e/ou atingíveis estavam sempre minuciosamente ausentes.

Agora, em 19 de Agosto de 2008, já com os “Jogos de Pequim” em fase adiantada de realização e perante o muito provável incumprimento das metas que estabeleceu para o “Desporto Olímpico” nos Jogos, o imérito “Comandante”, depois de criticar alguns dos atletas que competem nas pistas e lhes exigir “brio e profissionalismo”, tão prontamente quanto destemperadamente e fora de tempo se proclamou fora da recondução do barco Olímpico para os anos futuros.

É este inusitado volte face um abandono ou uma fuga ao fim de tantos e tantos anos de comando? Ou uma mais singela admissão e queda na realidade desportiva que ajudou a criar com tão longo consulado?
E de que servem, que contribuições dão ao desporto nacional, as suas inopinadas afirmações de que é agora indispensável, não o foi nunca antes no seu longo consulado, reorganizar e repensar o desporto em Portugal?
Então com que base de seriedade foi possível assumir os compromissos de tantas medalhas e pontos para um desporto tão carente de organização e repensar? Foi tudo isto, melhor dito o grandiloquente “Projecto de Pequim, o quê afinal?
Que andou o “Comandante” a fazer todos estes longos anos ao leme de um barco que foi incapaz de protagonizar uma nova organização e um indispensável repensar do nosso desporto?

E perderam-se tantas oportunidades, como por exemplificação mais recente: no Congresso do Desporto, com o Livro Branco do Desporto da União Europeia, ou no interior do Conselho do Desporto e agora Conselho Nacional do Desporto.

Não se conhecem contribuições decisivas do COP e do “nosso Comandante” em todos estes últimos anos de governo para essa tão decisiva reorganização do desporto – tirando a ocasional reafirmação de um “plano integrado de desenvolvimento do desporto” que estava há uns meses atrás a ser cuidadosamente preparado e do qual se não conhece nada até hoje.

Pelo contrário ainda há apenas dois meses ou mesmo menos, à saída de uma reunião do Conselho Nacional do Desporto, o “Comandante” se comprazia com as obras e projectos do actual Governo e do seu “visionário Secretário de Estado” para o futuro do desenvolvimento do desporto de competição em Portugal (um pequeno parêntesis serve para lembrar que das discussões e tomadas de posição ou documentos preparados pelo Conselho Nacional do Desporto nada é conhecido publicamente, e no site da Secretaria de Estado permanece o vácuo sobre qualquer destes aspectos do trabalho daquele Conselho).

De repente, do dia para a noite ou da noite para o dia atendendo à diferença horária entre Pequim e Lisboa, tudo mudou, o “jogo de sombras” desvanece-se e aparece uma realidade que se desconhecia ou olvidava. Afinal para o “nosso Comandante” todo o desporto nacional tem de ser sujeito a mudanças profundas.

Porquê? Porque o desporto magnificamente preparado e conduzido pelo “Comandante” não vai ser capaz de alcançar os resultados por ele contratados quatro anos antes quando quis obter um determinado envelope financeiro do Governo (melhor dos contribuintes).

Não, o “nosso longevo Comandante” não se pode ir assim embora. Ele tem de dizer aprofundadamente ao País e aos contribuintes, a quem intermediariamente através do Governo da época solicitou recursos, o que realmente mudou na organização do Comité Olímpico e das federações, na respectiva gestão, métodos e processos de planeamento, de treino e de apoio e acompanhamento dos respectivos atletas com o seu “Projecto de Pequim 2008” que permitiriam augurar tanto sucesso Olímpico e afirmar tão categoricamente que nunca antes se tinha feito tanto e tão bem.

Tanto se disse, tanto propalou o “nosso Comandante” sobre os méritos de “Projecto de Pequim”, que até o Governo por várias das suas vozes ministeriais, incluída a do nosso primeiro-ministro, repetiram o discurso da grandiosidade da preparação e das perspectivas atléticas nos “Jogos de Pequim” – aliás a passividade governamental relativamente à condução ou monitoria do “Projecto Pequim 2008” foi tanta e tamanha que o Governo só mesmo poderia colocar-se atrás ou ao lado do discurso do “Comandante”.

Um Comandante tão imorredoiro (como se vozeia nos “mentideros” do poder desportivo e mediático) não pode despedir-se assim, com tão “insustentável leveza”.

Tem de deixar devidamente avaliada a prestação do seu “Projecto Olímpico”, descrever o que falhou, o que faltou, quer nas estruturas quer nos métodos e processos. Mas também na sua visão e liderança do desporto nacional.

E nesta análise da liderança é ponto primordial avaliar quais foram os progressos e as capacidades de melhorar o funcionamento das estruturas desportivas e de todos os diferentes níveis da organização do desporto nacional que dela emergiram ou não.

Porque se não se conseguirem encontrar estas respostas então, obviamente, esteve a “vender-se gato por lebre” e a criar um verdadeiro ilusionismo desportivo.

E muito mais porque ainda no dia 2 de Agosto, uma semana antes de começarem os Jogos de Pequim, o Comité Olímpico e o “nosso Comandante” anunciavam oficialmente terem entregue ao Governo e ao Instituto do Desporto de Portugal o “Projecto de Preparação Olímpica Londres 2012 e Jogos de 2016”.

Com que visão, bases e estratégia desportivas, com que critérios, com que objectivos e metas e com que envelope financeiro foram elaborados esses “Projectos” para os futuros ciclos olímpicos, impõe-se perguntar perante a agora anunciada pressa em abandonar o barco perante uma maré adversa em "Pequim 2008"?
Ou tratou-se de uma manobra de avanço para criar espaço negocial e consumar o facto oportunista de o Governo uns dias antes se ter disponibilizado para renovar o apoio ao “Projecto Olímpico de 2012” nos moldes do de "Pequim 2008"?

Os portugueses, os atletas, os desportistas, o “Desporto Olímpico” exigem respostas para tanta pressa e falta de “brio e profissionalismo” do nosso ilustre e sempiterno “Comandante”, que tão depressa apresenta ao Governo novos projectos para mais dois ciclos olímpicos como anuncia a sua saída do Comité Olímpico de Portugal onde já desempenha funções há praticamente trinta anos!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

“Sistema desportivo mal governado, novos líderes e novos processos de liderança”

Um sistema desportivo é, além do mais, um conjunto de estruturas organizacionais, de agentes/actores, de estratégias, de processos, de objectivos e metas.

Quando aqui nos referimos adiante a sistema estamos sempre a pensar no actual modelo que define o sistema desportivo português.

A eficácia e eficiência de um sistema dependem em primeiro lugar da capacidade dos seus líderes.

O processo ou melhor os processos de liderança que são protagonizados e impulsionados pelos dirigentes de topo são decisivos para a condução dos sistemas organizacionais, nos quais actuam os respectivos actores/agentes tentando concretizar estratégias, planos, objectivos e resultados.

As lideranças em que são agentes fundamentais os dirigentes organizacionais, para além de terem capacidade de transmitir a sua visão organizacional ampla, têm de ser renovadas ou renovarem-se para poderem transmitir regeneração ao sistema e aos respectivos projectos organizacionais.

A perpetuação no poder de determinadas lideranças e líderes acarreta quase inevitavelmente a sistemas complexos e descentralizados entropia, degenerescência progressiva e fortalecimento de tendências para a criação de actividades de negociação menos rigorosas e exigentes.

O favorecimento e a politização das estruturas e dos meios e instrumentos de funcionamento do interior do sistema tende assim mesmo a estabelecer-se.

Os líderes máximos que se perpetuam tendem a assumir um grau de enorme domínio sobre as estruturas intermédias do sistema e a criar nestas e nos seus respectivos agentes/actores um sentido de dependência, de fraqueza institucional e de egoísmo e salvação negocial.

Estas dependências impedem a afirmação de autonomia organizacional e estratégica das instituições intermédias que compõem o sistema. No limite o sistema, desde o topo até às respectivas bases tende a corromper a sua natureza especial.

Mas a situação do sistema piora muito quando as lideranças das estruturas intermédias que compõem o sistema também tendem a perpetuar-se no poder organizacional. Nestas, os seus respectivos líderes passam a negociar em permanência com o topo conhecido, repetem estratégias e condutas negociais e gerem as respectivas estruturas intermédias ininterruptamente sem necessitarem de alterar significativamente o “modo de fazer e de estar”.

O sistema no seu todo torna-se desleixado, frouxo, sem visão e estratégia, e o planeamento e a fixação de objectivos e metas tende a não existir.

A máxima entropia possível acontece quando um sistema deste tipo tem a possibilidade de negociar através do seu topo os meios (financeiros, pelo menos, que são os que mais lhe interessam) para levar a efeito um “projecto plurianual”, sem que da parte financiadora exista qualquer capacidade ou intenção visível de monitorizar os processos de trabalho, as estratégias organizacionais, os padrões gestionários, os resultados “on-going” e os processos de liderança do sistema.


Tudo mais se agrava quando este fornecedor passivo de meios, que fica a ver “a banda passar” é o próprio Estado – melhor dito os contribuintes nacionais.

Se um sistema assim governado, com esta capacidade de liderança assim entronizada e fundadora de entropia e corrupção organizacional e negocial, fracassa nos poucos objectivos assumidos a que o seu topo se propôs, o que deve acontecer?

A regeneração de um sistema indica que a primeiríssima solução para este seu estado lamentável de governança só pode ser a imediata substituição dos principais líderes que se perpetuaram no seu topo.

Porque só assim pode haver o espaço necessário e imprescindível para procurar uma reorganização e reorientação de todo esse sistema.

E também porque essas procuras de legitimação e renovação têm de ter “fiéis destinatários”, que serão sempre os “fundadores da existência do sistema” – no caso do desporto os atletas e o povo contribuinte para o respectivo financiamento.

Portanto, Vicente Moura deve sair da presidência do Comité Olímpico de Portugal (onde já vai completar quatro mandatos, três deles consecutivos)?

Resposta óbvia: obviamente demita-se!

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Desporto no Reino Unido e em Portugal (II)

Continuemos então a apresentar o novo documento orientador da política desportiva do Governo inglês publicado em Junho passado pelo DCMS com o título sugestivo de “Playing to win: A New Era for Sport”.

Mas desta feita vamos dar o devido destaque ao capítulo no qual é feita a devida descrição da visão para o desporto que está subjacente a este novo exercício governamental de definição do quadro geral da política de desenvolvimento desportivo.
Passemos a citar, por tradução livre:

“Uma visão para o desporto”

“A actividade física é por natureza uma responsabilidade inter-governamental e um leque de Departamentos está liderar a criação de mais oportunidades para nos tornarmos fisicamente activos.

Oferecer natação gratuita para os indivíduos com mais de 60 e menos de 16 anos é uma componente chave dos nossos planos de actividade física e é um sinal do aumentado nível das nossas ambições.

Contudo, este documento está focalizado na nossa visão para o desporto. A nossa ambição é simples – nós queremos tornar-nos numa nação desportiva verdadeiramente líder mundial.

Para o fazer, nós necessitamos de uma visão clara para o desporto na Inglaterra, e de um compromisso claro de que esta geração de decisores políticos e administradores trabalharão em conjunto para o concretizar.

A nossa visão é a de dar a mais pessoas de todas as idades a oportunidade de participar em desporto competitivo de alta qualidade.

Para concretizar esta visão, nós necessitamos de um sistema desportivo integrado e sustentável que criará e desenvolverá o talento desportivo, suportado numa estrutura de clubes e competição de alta qualidade.

A nossa visão é grande – tal como deveria ser, dada a dimensão e a escala das oportunidades futuras.

Todos os envolvidos no funcionamento do desporto neste país têm a responsabilidade de traduzir o nosso estatuto de nação Olímpica num legado para as gerações vindouras.

Este documento define como a nossa clara visão para o desporto estará no coração dos nossos planos á medida que nós reorganizamos e redefinimos as prioridades em toda a paisagem desportiva, desde o desporto escolar, passando pelo desporto comunitário e até ao nível de desempenho de elite.

Há algumas questões honestas que nós necessitamos de colocar à medida que entramos neste período de oportunidade desportiva para o país:

Sobre Educação Física e Desporto para Jovens – estão as escolas a fornecer às crianças uma introdução ao desporto de alta qualidade?; estão todas as crianças a ter oportunidade de tentarem um amplo leque de desportos?; estamos nós demasiado suportados no futebol?; existem treinadores suficientes em suficientes desportos?; são todos os jovens de todas as capacidades treinados e encorajados?; e a estrutura de competição funciona?

Sobre o Desporto Comunitário – existem treinadores suficientes nos desportos principais?; como reduzimos os abandonos quando as pessoas deixam a educação formal?; está o desporto das raparigas e mulheres suficientemente priorizado?, existe o foco correcto no desporto em oposição à actividade física?; existem suficientes clubes de qualidade para as pessoas praticarem e preencherem o seu potencial?

Sobre o Desporto de Elite – o investimento está a ir para os locais adequados?; estão o treino, a ciência do desporto e a medicina e outros serviços de alto desempenho a ser adequadamente desenvolvidos?; como podem os atletas ser melhor apoiados?; como nos comparamos com outras grandes nações desportivas internacionais?

A verdade é que, enquanto progresso real está a ser feito, nós podemos sempre fazer melhor em todas as áreas.

Se nós queremos ter um sistema de desenvolvimento desportivo líder mundial, aquelas são as questões em que nós devemos estar implacavelmente focados. Nós manteremos essa focagem continuando a colocar em serviço as adequadas estruturas organizacionais.

A paisagem desportiva modificou-se. Em substituição das estruturas confusas de anos anteriores chegou uma estrutura que coloca três agências no comando das componentes fundamentais do sucesso desportivo em toda a Inglaterra e no Reino Unido: educação física e desporto escolar (Fundação do Desporto Jovem), desporto comunitário (Sport England) e desporto de elite (UK Sport).

As três agências lideram nas suas áreas respectivas, mas trabalham estreitamente com outros parceiros, incluindo a Associação de Treinadores do Reino Unido (“Sports Coach UK”) e Conselho Central de Recreação Física (“Central Council of Physical Recreation – CCPR”), que desempenham um importante papel no desporto.

As autoridades locais são os nossos parceiros prestadores críticos, investindo bem acima de 1 bilião de libras por ano e dirigindo a prestação local de desporto – o Sport England, em particular, continua a criar laços estreitos com as autoridades locais em todo o país.

Embora a estrutura básica da paisagem seja forte, existirá âmbito para melhorar a focalização em cada nível e aumentar a união das três agências prestadoras.

Para enfrentar os fortes desafios definidos pelo Governo para o desporto escolar, comunitário e de elite, foi essencial reconsiderar como o desporto comunitário pode replicar a focagem alcançada com as Federações Desportivas Nacionais (“National Governing Bodies – NGBs”) ao nível de elite pelo UK Sport.

Nós nomeámos o Chefe Executivo do Sport England Jennie Price para liderar uma reavaliação do Sport England, estritamente focada no modo como a organização pode centrar-se no desporto e elevar o seu desafio para desenvolver um sistema desportivo comunitário líder mundial. Um forte desafio externo foi fornecido por Richard Lewis, Chefe Executivo da Liga de Rugby (“Rugby Football League”), Ged Roddy, Vice-Presidente do Sport England e Steve Grainer, Chefe Executivo da Fundação do Desporto Jovem.

Esta reavaliação conduziu a um novo papel atribuído ao Sport England, e é a peça que falta nesta paisagem. A reavaliação do Sport England formulou e respondeu às perguntas chave sobre como nós criamos um sistema de desporto comunitário líder mundial suportado numa rede de clubes desportivos modernos, num sistema de treinadores líder mundial, em melhores e mais acessíveis instalações e numa melhorada estrutura desportiva de competição que encoraje as pessoas a jogar para ganhar. Este documento deverá ser considerado em todo o novo plano operacional do Sport England, o qual define em maior detalhe como será concretizada a nova estratégia.

Isto tudo é parte do aumento do conjunto de talentos para assegurar que nós tenhamos os melhores atletas provenientes de todos os nossos desportos principais que possam inspirar uma próxima geração de talentos através do sucesso nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2012” (fim de citação).

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Desporto no Reino Unido e em Portugal (I)

O “DCMS – Department for Culture, Media and Sport” é no âmbito do governo inglês a entidade responsável pela política respeitante ao desporto. Podemos, assim, estabelecer uma equivalência com este departamento em Inglaterra e a “Secretaria de Estado da Juventude e Desporto” em Portugal.

Tem sido frequente que aquele departamento inglês publique documentos orientadores do desenvolvimento e estratégia do desporto do país. Ora, acabou de ser publicado em Junho de 2008 um novo documento daquele tipo que pretende estabelecer as linhas de evolução e desenvolvimento do desporto num horizonte que vai até 2017, mas com particular enfoque no ano de 2012 que é, como se sabe, o da realização dos Jogos Olímpicos de Londres.

Vamos aqui apresentar a introdução aquele documento, o qual é intitulado sugestivamente de “Playing to win: A New Era for Sport”, subscrita pelo respectivo Secretário de Estado do DCMS, Andy Burnham.

Proximamente faremos, então com a devida argumentação, os comentários devidos aos fundamentos de política desportiva presentes nesta introdução governamental, para daí podermos retirar elementos comparativos com as respectivas políticas que vão sendo, ao mesmo tempo, definidas e implementadas em Portugal.


“Playing to win: A New Era for Sport”

Introdução por Andy Burnham, Secretário de Estado da Cultura, Media e Desporto

“O nosso propósito (do DCMS) é melhorar a qualidade de vida para todos através de actividades culturais e desportivas, apoiar a senda da excelência, e liderar as indústrias do turismo, criativas e do lazer”.

Quando se pratica desporto é para ganhar. Essa é a minha filosofia. Ela está também no centro deste plano que, ao longo do tempo, procura mudar a cultura do desporto na Inglaterra.

É um plano para envolver mais gente na prática do desporto simplesmente pelo amor ao desporto; para expandir o grupo de desportistas ingleses talentosos homens e mulheres, e para fazer cair recordes, ganhar medalhas e vencer os torneios para este país.

Como nação hospedeira Olímpica, nós temos um momento no tempo para definir um novo nível de ambição para o desporto e mudar permanentemente o seu lugar na nossa sociedade. É uma era de oportunidade sem precedente. Mas apenas o concretizaremos se pudermos unir as pessoas a todos os níveis no desporto num novo espírito de parceria e de empenhamento comum.

Necessitamos de uma ética (“ethos”) de “Jogar para ganhar” em tudo o que fizermos – os mais elevados padrões dentro e fora do campo de jogo. Isso, mais do que outra coisa, é o que este plano procura alcançar. Metas partilhadas, responsabilidades claras, todos concretizando o seu respectivo papel. E isso significa em primeiro lugar colocar questões honestas acerca do que fazemos e do como poderíamos fazê-lo melhor.

Como conseguimos o melhor dos 250 milhões de libras para o desporto comunitário em Inglaterra? Temos a adequada estrutura organizacional e focagem para dar aos jovens a melhor introdução ao desporto e ajudá-los a desenvolverem-se? São os esforços do Governo suficientemente alinhados com os das Federações Desportivas (“Governing Bodies”)? Mais fundamentalmente, temos a cultura certa no desporto Inglês?

Este plano é a resposta do Governo a estas questões. Ele define uma visão para o desporto em 2012 e para além dessa data. Ele sugere uma meta partilhada para nos unirmos à sua volta – maximizar o sucesso desportivo Inglês através da expansão do conjunto de talentos em todos os desportos. Em resumo, mais treino e mais desporto de competição para todos os jovens.

Construir um sistema de desenvolvimento do desporto Inglês líder mundial requer mais disciplina e focagem. Por exemplo, ele significa uma clara separação ente o desenvolvimento do desporto, por um lado, e a promoção da actividade física por outro. Isso por sua vez significa um novo caminho de trabalho para um mais “magro”, mais “saudável” Sport England. No futuro o Sport England actuará mais estrategicamente, concessionando o desenvolvimento do desporto através das federações desportivas e outros agentes. Ele trabalhará com a “Fundação do Desporto Jovem” (“Youth Sport Trust”) para fornecer treino de alta qualidade e oportunidades de competição para todos os jovens – cinco horas em cada semana – e ajudá-los a transitarem para o sistema de clubes. Ele trabalhará também em parceria com o UK Sport para criar sistemas de apoio e percursos claros para o sucesso dos nossos mais promissores e talentosos praticantes. Mais importante, o Sport England estabelecerá uma parceria com cada uma das Federações Desportivas Nacionais. Em retribuição por uma maior liberdade e controle sobre os fundos públicos, as federações desportivas serão desafiadas para expandirem a participação e fornecerem melhor qualidade de treino a mais pessoas.

Eu quero ser claro sobre o que penso que isto significa. Eu esperarei que as federações desportivas alcancem os jovens em todos os caminhos da vida e lhes dêem uma base de sustentação no que é essencial; que desenvolvam estruturas competitivas para pessoas jovens em todas as partes do país; e que construam uma estrutura de clubes moderna receptiva e acessível a todos.

Dos desportos mais ricos será esperado que reúnam alguns dos seus recursos em conjunto com fundos públicos em apoio do mesmo plano de desenvolvimento quadrienal.

Esta abordagem de um “mealheiro” único de financiamento substituirá o leque de fluxos financeiros a nível nacional e regional. Um sistema mais alinhado libertará até 20 milhões de libras para investimento na primeira linha do desenvolvimento desportivo.

O desporto é em último caso acerca de pessoas, e de pessoas desempenhado no melhor das suas capacidades. Nós confiamos nas pessoas que dedicam as suas vidas ao desporto com o poder de mudar o desporto. Nós queremos libertar os peritos desportivos e os praticantes de elite para inspirarem mais pessoas a saírem dos sofás e voltarem ao desporto, para sustentarem esse entusiasmo e fornecerem uma experiência de qualidade que permitirá aos indivíduos superarem-se.

Mas com esse novo poder chega a responsabilidade – acabar com as distinções fora-de-moda entre desporto de “raparigas” e desporto de “rapazes”. Todos os jovens devem ter um leque de oportunidades. desenvolver o jogo das raparigas e mulheres – e o desporto para deficientes – não é uma opção extra, mas uma parte vital do que as federações desportivas serão instadas a fazer. Se qualquer desporto não quiser aceitar este desafio, o financiamento será desviado para aquelas que o aceitarem.

Eu acredito no desporto para próprio bem do desporto. Nós devemos investir no desporto para maximizar o benefício desportivo.

O poder do desporto para cativar está inscrito na excitação e drama da competição. Eu quero que as pessoas de todos os meios e níveis de capacidade experimentem a alegria e amizade que o desporto de competição comporta.

O meu propósito é claro e simples – criar uma cultura salutar de “jogar para ganhar” (“playing to win”) no desporto Inglês construindo oportunidades competitivas para todos.


segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Desporto e Política, Desporto Apolítico ou Desporto Político (II)

Porque não pode, então, o desporto viver ausente da política e dos valores essenciais que exprimem os projectos políticos e os direitos e liberdades individuais?

Consideremos alguns dos pressupostos definidores da política e dos seus respectivos processos, tal como eles se definem em substância e na época contemporânea.

O Homem moderno vive em sociedade, mantém permanentes relações com outros seres humanos, é um indivíduo único e original portador de esfera autónoma de direitos e deveres, perfilhando valores com tradição cultural estabelecida ao longo de muitos anos pelos quais conforma os seus comportamentos e condutas e formata as respectivas escolhas e opções.

Na vida em sociedade o Homem desenvolve actividades variadas às quais atribui valor especial porque lhe garantem a satisfação de necessidades e conferem utilidade e bem-estar, dignificando a sua vida e dando particular concretização às suas expectativas.

O Homem actua, por conseguinte, de acordo com os seus interesses específicos mas em ligação com outros indivíduos e num espaço comum, o espaço público. Neste espaço passam a coexistir e conjugar-se as diversas esferas individuais em decisões e escolhas que interessam aos diferentes indivíduos em presença.

O arbítrio destes vários interesses constitui a essência da política, a qual em substância define as regras de condução dos múltiplos interesses individuais e estabelece as escolhas que são comuns aos homens em relação no espaço público. A política é, portanto, e acima de tudo, uma actividade social que implica sempre uma atitude de diálogo e nunca apenas um monólogo em que uma parte se impõe decisiva e continuamente a outras partes em relação.

“A Política, no seu sentido mais amplo, é a actividade através da qual as pessoas fazem, preservam e alteram as regras gerais sob as quais vivem” (Andrew Heywood, Politics, 2007). Por conseguinte, a política está em permanente evolução e advém da contribuição permanente e capacitada dos indivíduos, os quais actuam cumprindo as regras gerais que aceitam no convívio social ou, no limite, alteram ou adaptam essas mesmas regras.

Nunca a política pode ser monocórdica, impositiva de vontade única ou unívoca e desmotivadora da participação voluntária e empenhada dos homens, os quais deste modo, pela sua envolvida participação, se tendem a tornar cidadãos da “polis”.

Na concepção moderna a “cidade-estado grega” tende a ser substituída e representada pelo Estado. Por isso, a política passa a voltar-se para “aquilo que respeita ao Estado” e a focar-se nas pessoas e na “maquinaria do governo” que o representam. A essência do governo e o seu exercício de autoridade passam a estar no centro da política que procura o estabelecimento de um conjunto de “valores de autoridade” que sejam comummente aceites na sociedade e reconhecidos como merecedores de obediência pela maioria larga dos cidadãos.

Desta comunhão de valores sociais derivam as decisões que estabelecem os planos de acção concretos para a comunidade e que definem as respectivas políticas públicas. Estas visam concretizar as regras gerais e valores partilhados e conduzir a comunidade dos indivíduos organizados politicamente para a realização de determinados objectivos e finalidades. As políticas públicas materializam, portanto, os valores políticos e resultam da actividade de governo da respectiva comunidade.

“A Política não é uma ciência…mas uma arte” terá dito o Chanceler Bismark no parlamento alemão. A “arte” que estava subjacente nesta afirmação era sobretudo a arte do governo, aquela que se encontra no exercício do controle e poder sobre a sociedade através da obrigatoriedade da aplicação das denominadas decisões colectivas que esse mesmo governo adopta em nome da comunidade que representa.

Mas a concepção moderna da política nas sociedades complexas implica o envolvimento conjunto de um leque relativamente alargado de corpos públicos e privados que fazem com que a ideia tradicional de governo seja ora substituída pela de governança.

Perde portanto fulgor a concepção partidária da política que a restringia a projectos ideológicos comandados por partidos políticos nos quais os respectivos dirigentes assumiam poderes avultados e tendencialmente incontestados.

Nesta perspectiva da política os seus actores principais, os políticos, tendem a ser vistos na mentalidade popular muitas vezes como “hipócritas à procura de poder e que escondem a ambição pessoal sob uma retórica de serviço público e de convicção ideológica” (Heywood, idem,2007).

Surgem desta acepção fenómenos de recusa da política que se vê associada a exemplos de desonestidade e corrupção, desviando-se da moralidade e da ética e colando-se aquilo que se denomina por “politicagem”; também surgem fenómenos de favorecimento e privilégio pessoal, carreirismo político com ausência de preceitos de mérito e valor profissional dos membros da “classe política”.

Mas na “nova política da governança”, o centro do processo político é muito mais diverso com os seus intérpretes e processos mais plurais, não se restringindo aos actores políticos partidários tradicionais, e dando espaço ao aparecimento de novos intervenientes e legitimidades, os quais passam a corporizar outras racionalidades e mais diversidade de projectos para a comunidade onde imprimem a sua acção empenhada.

Face a esta diversidade de agentes políticos actuando no espaço público é natural aparecerem múltiplos projectos, escolhas e decisões, possíveis por afirmação da liberdade de indivíduos e instituições.

A complexidade política surge, assim, intrinsecamente associada à afirmação da liberdade individual em toda a sua expressão natural e à participação plural das instituições públicas, não públicas e privadas, no centro do processo político comunitário.

Como se integra ou deve integrar o desporto e o respectivo sistema desportivo, aos seus níveis nacionais e internacionais, neste movimento de pluralidade e liberdade individual que caracteriza os processos políticos modernos, onde predomina não apenas o Estado e o governo mas a complexidade da governança?

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Desporto e Política, Desporto Apolítico ou Desporto Político (I)

“O Homem é por natureza um animal político” (Aristóteles, Política)

Temos vindo a assistir com alguma frequência nos últimos meses a argumentos que procuram separar o desporto, melhor os Jogos Olímpicos, que são tão-somente o maior e mais globalizado evento humano e desportivo por excelência, da política, do mundo da política e dos políticos e das suas racionalidades, interesses particulares e modos de pensar a natureza humana.

Estes argumentos procuram isolar o desporto enquanto actividade humana, dando-lhe características especiais que o eximem à sua imersão no espaço público e o separam das lógicas da política e dos seus intérpretes por missão que são os políticos.

O desporto seria, assim, neste argumentário pretensamente não ideológico, uma actividade ímpar de uma nobreza altiva, assente num pedestal Olímpico onde pululam os respectivos “deuses” e inacessível aos interesses e opções mesquinhas e terreais do denominado submundo político.

Na linha deste “ideário”, do submundo político, porque imerso em intenções malsãs, só pode esperar-se que transmita ao desporto perturbações, conflitualidade desprezível, maniqueísmos valorativos disfarçados de “direitos humanos” que serão actualmente relativos e contextual e culturalmente dissemelhantes. Enfim, a política prostituiria o inefável e incorruptível “mundo desportivo” e os Jogos Olímpicos que deixariam por essa má influência e intromissão de ser um mundo maravilhoso de superação e exaltação da gesta humana do “citius, altius e fortius”.

Os argumentos que fundamentam ou procuram sustentar esta forma de ver o desporto e a política têm cultores nomeadamente entre alguns dos dirigentes das próprias estruturas representativas do “Movimento Olímpico”.

E em Portugal os mais entusiásticos propaladores dessa despolitização e amoralidade desportiva têm sido os dirigentes do Comité Olímpico de Portugal com o seu Presidente longevo à cabeça. Não passa praticamente semana em que não sejam renovados argumentos de que o desporto e a política são inconciliáveis ou devem estar separados seguindo cada um o seu caminho.

Mas são esses mesmos dirigentes que em cada oportunidade exploram a transitoriedade dos políticos e sua fragilidade gestionária e estratégica para recolherem os apoios do Estado e governo respectivos, sempre tão necessários à sua tendência e projectos de perpetuação no topo das estruturas do poder desportivo.

O mesmo se diga das recentes afirmações dos dirigentes políticos chineses que procuram despolitizar os seus Jogos Olímpicos e assim evitarem as referências e as críticas internacionais à natureza do respectivo regime político.

Por um lado, ao organizar o evento global que são os Jogos a China pretende dar de si-mesma uma imagem poderosa e geoestratégica de afirmação mundial, posicionando-se bem no topo do concerto das nações e procurando retirar as respectivas vantagens e poder efectivo, por outro lado ao “higienizar os Jogos” tenta disfarçar e evitar exposição internacional para as características anti-democráticas e atentatórias dos direitos humanos universais do seu “status quo” político.

Nestas condições algumas questões fundamentais devem colocar-se para discorrer sobre a sustentabilidade e legitimidade deste ideário – que em nosso entender podemos apelidar de “revisionista” ao procurar iludir o estatuto antropológico e cultural do desporto humanos e a matriz internacional/universal dos direitos humanos inscrita desde 1950 na respectiva “Declaração Universal”.

Podem o desporto e os Jogos Olímpicos estar assim colocados acima e além do “governo da cidade”, da “maquinaria da governação”, das escolhas e opções que conduzem as comunidades nacionais e a denominada comunidade internacional? Há um mundo higienizado do desporto onde não penetram ou devem penetrar os conflitos, as alternativas de destino humano, os projectos de construção social, os valores que constroem a civilização e que podem ter dimensão ética universal?

Se a resposta a estas questões for positiva, isto é, no sentido de que ao desporto são estranhos a substância e dimensões que caracterizam os processos políticos, então para o desporto será relativamente indiferente o grau de liberdade individual, os direitos de expressão e opinião, a democracia e a possibilidade de escolha dos governantes pelos cidadãos, e acima do mais o respeito pela esfera de dignidade pessoal.

Neste “ideário revisionista”, que tem evidentes conotações ideológicas e, por conseguinte, exprime categoricamente um relativismo moral e ético que convive facilmente com os processos totalitários, o desporto perde evidentemente uma parcela substancial do seu valor humano. Pode, assim, o desporto estar ao serviço de ou conviver tranquilamente com projectos políticos e de ideologias em que a vida humana seja facilmente aniquilada e perca muita da sua margem de expressão e singularidade.

E os próprios desportistas, os atletas e outros intervenientes na actividade desportiva, como se colocam perante tais ideários? Compactuam com a desvalorização do papel humano e ético do desporto ou exprimem divergência clara e defendem os valores humanos tendencialmente universais que têm expressão conforme na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”? Será possível aos desportistas, aos homens do desporto, que dependem de si e das suas motivações, dos seus empenhos e vontade, da excelência das suas acções e práticas, conviver comodamente com a negação sistemática desses espaços de afirmação da dignidade humana?

Claro está que os desportistas podem conviver com essas negações, mas se o fizerem estão eles mesmos a limitar a sua esfera de liberdade individual, a sua singularidade como pessoas, o que tornará possível ao exercício autoritário de um qualquer “regime político” o cerceamento da própria liberdade e dignidade dos desportistas/cidadãos a prazo mais ou menos curto.

A mesma “ratio” lógica se aplica também aos dirigentes desportivos para os quais a compactuação ou mero oportunismo e conveniência (políticos) com tais “ideários” não apenas ridicularizam como também ferem moral e eticamente. Lembre-se aqui que no que respeita aos dirigentes do movimento olímpico eles estão obrigados pela respectiva Carta Olímpica a respeitarem e fazerem respeitar “os valores éticos universais” (sic).

Por isso, os desportistas e todos os que estão envolvidos ainda que não praticantes no desporto para fazerem desta actividade humana um projecto de afirmação da excelência humana só podem querer a liberdade plena dos indivíduos – isto é um desporto envolvido com os direitos humanos, com projectos políticos e a política que exprima categoricamente essa liberdade plena.