terça-feira, 29 de dezembro de 2009

É a Democracia Senhor Engenheiro!


Portugal tem desde finais de 1975 um regime político de democracia liberal, pelo qual lutou nas ruas e que consagrou constitucionalmente. E por isso mesmo, de tempos a tempos, o povo é chamado a escolher os seus representantes políticos no Parlamento da Nação. Dessa representação parlamentar decorre a formação de um Governo empossado perante o Presidente da República que interpreta o significado do acto eleitoral e a vontade popular assim livremente expressa.

Foi isso mesmo que aconteceu em Setembro passado depois de uma legislatura inteirinha de mais de quatro anos em que mandou a seu belo prazer a maioria politica de um só partido, o partido do Senhor Engenheiro Sócrates. Mas nesse pretérito Setembro o lídimo repositório da democracia, isto é, o povo, que somos todos nós que votámos como quisemos e de acordo com as nossas opções, não voltámos a dar a maioria absoluta ao Senhor Engenheiro socialista.

Divididos os votos nas eleições legislativas por vários partidos, formou-se apenas e agora uma maioria relativa dos socialistas uma vez mais encabeçados pelo Engenheiro Sócrates. E este quando foi constitucionalmente chamado pelo Presidente da República aceitou formar Governo para, como disse no seu discurso de posse, governar durante toda a legislatura.

Aconteceu assim o processo natural da democracia em Setembro em Portugal e os resultados eleitorais decorrentes exprimiram inequivocamente uma nova vontade do povo português. Dividiram-se mais os votos e passou a haver a possibilidade de se formarem várias maiorias parlamentares, sendo certo que aquela que era anteriormente representada apenas pelo partido Socialista desapareceu da nova configuração da Assembleia.

Sucede contudo que nestes meses já passados desde a tomada de posse do Governo se tem vindo a assistir a um prático desaparecimento da iniciativa governamental que traduz um compasso de espera táctico para criar problemas potenciais de ingovernabilidade ou a incapacidade de o partido do governo e o seu líder encontrarem efectivamente um rumo para a governação do país. E sabe-se por todos os indicadores económicos e sociais sucessivamente conhecidos que essa mesma governação não vai ser nada fácil.

Entretanto, o Governo e o partido que o apoia perderam algumas votações no Parlamento em torno de questões e diplomas que também faziam parte das promessas eleitorais dos vários partidos da oposição. E tem acontecido, face à falta de iniciativa política do Governo e do partido que o apoia, formarem-se maiorias ocasionais de todas as oposições para aprovarem medidas diferentes das opções do Governo ou reprovarem aquilo que eram as propostas do Governo e do seu apoio político parlamentar.

Ou seja, na casa suprema da democracia, fazendo uso das suas prerrogativas legítimas, os representantes do povo eleitos pelas diversas oposições aprovaram medidas políticas alternativas às que o Governo e o partido socialista defendiam. Por conseguinte, dois terços dos deputados do Parlamento legitimamente eleito votaram propostas diversas das do Governo e do Partido Socialista.

A democracia funcionou agora não para dar coro, como sempre aconteceu nos últimos quatro anos e meio, às propostas do partido socialista e do seu Governo, mas antes para afirmar propostas políticas diferentes dessas.

E que fez então o chefe do Governo e o partido do Engenheiro Sócrates? Apresentaram propostas políticas no Parlamento, o Engenheiro começou a governar finalmente, definiu as grandes orientações da linha política do Governo? Não, nada disso, o chefe do Governo começou imediatamente a clamar aos quatro ventos contra toda a oposição, a dizer que não conseguia governar com orçamentos (imagine-se) alternativos ao seu (que não apresentou ainda), a lutar por retirar legitimidade a uma expressão lídima da democracia livremente expressa no Parlamento. E diga-se aqui que a Assembleia da República constitucionalmente não é a chancela do Governo mas tão só o seu principal escrutinador e controlador.

Não se pode também esquecer que, no entretanto, o Governo do Senhor Engenheiro Sócrates viu aprovado no mesmo Parlamento o seu terceiro orçamento rectificativo de 2009 que elevou o défice público para mais de 8%, quando o mesmo Governo, com os mesmos Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças afiançavam há poucos meses que ele não estaria acima dos 6%.

Mas o Senhor Engenheiro tem feito nos interlúdios mais umas cenas para o filme da sua apregoada incapacidade de governar. Ataca (ou manda atacar) por intermédio de dirigentes da sua bancada parlamentar o próprio Presidente da República que lhe deu posse e legitimidade para governar.

E isto a troco de quê? Da criação de um clima tendente à sua pretensa vitimação, a qual lhe serve de óptimo pretexto para não discutir os reais e gravíssimos problemas do país e desviar as atenções para um foguetório político em torno dos importantíssimos casamentos homossexuais e, imagine-se agora, também da regionalização.

Ora, acontece que a democracia portuguesa é, tem de ser obviamente, bem mais exigente. Exige, desde logo, honradez, nobreza de carácter, responsabilidade, exemplaridade e dignidade institucional aos magistrados políticos, e escrupuloso respeito pela representação dos interesses dos eleitos. E em nome destes princípios exige também a humildade de todos aqueles que governam, e do Primeiro-Ministro por dever inalienável, para procurarem as melhores soluções para os problemas do país.

A democracia não pode ser um jogo teatralizado de manobras, esquemas e estratagemas que alimentem o ego enorme de alguém que se mostra incapaz de aceitar as condições em que o povo determinou que seja exercido o poder da governação. E que não saiba ou não queira negociar, cooperar, colaborar com as outras representações legítimas, para encontrar as melhores ou mais eficientes soluções para os gravíssimos problemas nacionais. Ainda para mais quando alguns desses graves problemas foram iludidos e escondidos durante muito tempo pelo Ministério que agora os devia, por encargo formalmente assumido, tentar solucionar ou minimizar.

Por isso mesmo é que o Presidente da República, na sua qualidade de superior magistrado da Nação e de garante do regular funcionamento das instituições, veio lembrar que já existiram outras experiências de governos minoritários em Portugal, que existem problemas muito preocupantes à espera de serem enfrentados por vários anos, e que, quando as oposições legitimamente reprovam iniciativas do governo anteriormente promulgadas e que agora são acolhidas naturalmente pela Presidência, o Governo tem não apenas a oportunidade de tomar medidas compensatórias como ainda mais o dever de negociar e consensualizar com as oposições e os parceiros sociais as novas soluções e propostas futuras a apresentar ao Parlamento.

A democracia é muito mais do que uma simples imposição permanente das vontades das maiorias políticas de cada época. Ela tem de ser um resultado de amplas negociações dos mais amplos interesses dos representados, exprimam-se eles através da maioria política que governa ou das minorias políticas da oposição que têm também as suas respectivas legitimidades intactas. É certo que em democracia deve governar o Governo, mas este não deve nem pode governar contra a vontade da maioria dos portugueses quando esta esteja em consonância e exprima legitima e afirmativamente essa vontade e os respectivos interesses.

Por isso, Senhor Engenheiro encontre lá o rumo e o sentido da governação do país e não continue nesse caminho de mistificação e teatralização de quem não sabe o que quer fazer ou não tem vontade de encontrar as convergências com as demais forças políticas em torno das difíceis soluções para os gravíssimos problemas de Portugal.

A democracia não é nem nunca foi um projecto de poder pessoal – porque a democracia é isso sim “o governo do povo, para o povo e pelo povo”. E Portugal não apenas merece como escolheu sucessivamente viver em democracia e com liberdade para escolher o seu caminho e os seus legítimos representantes.

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

2010: A Odisseia no Espaço Portugal!

O ano de 2009 está praticamente no fim. Foi mau, muito mau mesmo, tanto do ponto de vista económico como social ou mesmo político. Vem aí o novo ano de 2010, o qual inicia uma nova década deste século que sucede a uma anterior praticamente perdida e sem crescimento da riqueza nacional. Seria natural e salutar que se alimentassem novas esperanças, se formulassem outros desejos, se quisessem novas acções, projectos e resultados.

Mas o que vai transparecendo é o facto de que os portugueses já perceberam que, contrariamente a muita propaganda e foguetório que andaram no ar, a realidade económica e social que aí está não se compadece nem conjuga mais com as ilusões, as maquilhagens, as manipulações e as décimas estatísticas salvíficas.

Não, os portugueses agora em 2010 vão querer mesmo é que se lhes conte a verdade da situação crítica do país, e lhes digam como vai ser possível evitar a maciça quebra das condições de vida de muitos milhares de desempregados pelos diversos cantos e sectores do seu rectângulo, como vão ser recriados no futuro os empregos para todos esses compatriotas, fazendo aparecer novas empresas e mais apostas empresariais. E também que lhes demonstrem, com realismo e projectos no terreno económico, como vai ser possível que Portugal crie outra vez riqueza que torne efectivamente possível o aparecimento de muitas e muitas novas oportunidades de prover ao sustento das suas famílias.

Claro que os portugueses querem saber, melhor exigem saber, do Governo que está em funções e que ainda agora acabou de ser devidamente empossado, e do seu Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças em primeiro lugar, como pode ser possível diminuir o défice público dos mais de 8% para cerca de 3% em quatro anos, como vai ser possível estancar o aumento enorme da dívida pública que já vai em 80% do PIB e acorrer ao previsível aumento do pagamento dos juros anuais que já significam praticamente 3% do PIB ou 10% do valor anual das exportações, como vai ser solucionado o défice externo que supera 100% do PIB e que tem aumentado a uma cadência próxima dos 10% ao ano, como vão ser sustentados os défices enormes das empresas públicas que em várias delas já representam quase 15% do PIB, ou dos hospitais empresarializados que se situam em vários milhões de euros e das parcerias público-privado das Estradas de Portugal a pagar a partir de 2014 e que corresponderão a muitas dezenas de milhões de euros ao ano até 2030, ou ainda os custos anuais decorrentes das estradas SCUT que neste ano já suplantaram os 500 milhões de euros.

Tudo isto que é um colossal passivo para todos os portugueses serve apenas para exemplificar o conjunto enormíssimo de encargos já assumidos pelas gerações antecedentes e actuais e que vão ficar aí para que todos os que trabalham hoje e aqueles que virão a chegar ao mercado de trabalho nos próximos muitos anos encontrem meios de os solver. Estas gerações que ficarem a trabalhar e a empreender em Portugal terão durante décadas esta enormíssima “conta democrática” para pagar.

O Governo eleito recentemente e que se encontra plenamente em funções tem a estrita e democrática obrigação de começar imediatamente a dar respostas para todas aquelas questões aos portugueses, e estes têm o inalienável direito de exigirem conhecer como pensam os seus governantes solucionar esses gravíssimos problemas nacionais.
Não é aceitável e digno da ética de uma governação democrática que o país continue a assistir a um conjunto de manobras de diversão e intoxicação, alimentadas pelo partido do poder, que procuram desviar as atenções dos verdadeiros e difíceis problemas de Portugal em 2010. Ou seja, daqueles problemas e questões que podem colocar em causa o próprio futuro de Portugal se não forem eficaz e afincadamente enfrentados.

As agendas alternativas, politicamente correctas e/ou fracturantes, são nada mais do que fumo e areia para os olhos dos portugueses que não têm emprego, que não ganham aquilo que lhes permita criar os seus filhos e alimentar as suas famílias com dignidade suficiente, que têm muitas dúvidas sobre as suas condições de vida e de trabalho de amanhã, ou que caíram em situações de pobreza envergonhada a que nunca tinham estado habituados.

O Portugal de 2010 é uma verdadeira “Odisseia” para muitas centenas de milhares de portugueses desempregados que desconhecem as soluções para as suas vidas no futuro à frente dos seus olhos, e que conjuntamente com as suas respectivas famílias envolvem hoje milhões de cidadãos desta República.

O momento que Portugal vive é gravíssimo, pode ser de verdadeira e insuportável ruptura social, e exige aos governantes que se assumam como verdadeiros estadistas. Isto é, que pensem nos interesses verdadeiros do país e dos seus compatriotas, que sobreponham as soluções de médio prazo aos apetites ilegítimos e inaceitáveis da sua sobrevivência no poder, que sejam homens e mulheres capazes de apresentarem a verdade gravosa da situação que se vive e que tenham a coragem de propor os caminhos e as soluções que encaminhem o país e os portugueses para uma nova esperança. Isso sim deve ser o património de legitimação de um Primeiro-Ministro e de um Ministro das Finanças, desde logo, e em primeiro lugar – que só assim podem considerar-se a si-próprios como verdadeiros “Homens de Estado”.

Agora em 2010, perante os dados insustentáveis da economia e das finanças de Portugal, já não existem soluções doces, fáceis, ilusórias e paralelas aos dilemas e que não envolvam sacrifícios e mudança dos rumos antecedentes dos últimos mais de dez anos. Mas para as propor e pôr em prática é condição indispensável que os governantes que as corporizem perante os cidadãos tenham a dignidade e a respeitabilidade intactas. Isto é, que ninguém possa duvidar de que aquilo que agora veem defender como soluções para o país será rigorosa e estritamente praticado e que os exemplos dessas práticas começarão por vir dos níveis políticos cimeiros que propõem essas mesmas soluções.

É chegado agora o momento em que os líderes governamentais e políticos devem ser exemplares e serem os primeiros a praticarem aquilo que defendem como soluções para o futuro de Portugal. E para a consecução da necessária austeridade nacional, que deve começar no próprio Estado, os governantes devem ser os primeiros a darem exemplos de a praticarem eles mesmos e a fazerem praticar por todos quantos deles mais proximamente dependem – e desde logo nas despesas e nos rendimentos dos departamentos estaduais.

A “Odisseia de Portugal”, que deve começar em 2010, terá muitos mais anos pela frente, se for para parar a decadência e o empobrecimento que a primeira década deste século confirmou. E o próximo “Orçamento de Estado para 2010”, a apresentar no Parlamento no início do ano, é o instrumento por excelência para se confirmarem estas perspectivas e novos rumos da política portuguesa. E aí o Governo estará no primeiro dos planos para o bem ou para o mal – para o bem, se der mostras inequívocas de que quer orientar Portugal para as verdadeiras soluções dos seus dilemas críticos actuais, para o mal, se alimentar uma vez mais falsas realidades e expectativas impagáveis.

Em 2010 o país estará confrontado como uma “Odisseia no Espaço Portugal” que vai marcar o futuro económico, financeiro, social e político, bem como as condições de vida dos portugueses que trabalham e daqueles que virão a ser as próximas gerações de trabalhadores e empreendedores. E não restam dúvidas que a sustentabilidade e a dignidade de vida de todos esses portugueses depende de uma nova visão e estratégia nacional para a nova década deste século XXI, corporizada pelos governantes e as elites políticas nacionais.

José Pinto Correia, Economista

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Da Liderança e do “Não-Governo” de Portugal


“O melhor líder é aquele de cuja existência o povo mal se apercebe; menos bom é aquele que é obedecido e aclamado pelo povo, o pior é aquele que o povo despreza”, Lao Tzu, 630 a. C.

Nos últimos tempos temos assistido a fenómenos muito estranhos no que respeita à governação de Portugal. Ainda mal se iniciou a nova legislatura e já existem ameaças veladas de que o Governo não é capaz de governar, por as oposições parlamentares terem aprovado algumas iniciativas legislativas que contrariam as opções do Governo. Lembremos, todavia, que estas mesmas escolhas governativas tinham sido realizadas num ambiente parlamentar que desapareceu e que permitia à maioria política antecedente praticamente governar sempre ao arrepio das restantes forças e representações políticas.

É indiscutível que governar em situação difícil como é a actual de Portugal implica a capacidade de visão do futuro, de diagnosticar acertadamente as dificuldades e incapacidades económicas, sociais, culturais e morais do país. Um Governo tem de se apresentar perante os portugueses com uma verdadeira e inequívoca estratégia de saída da crise e de criação de um futuro nacional melhor, mais rico e mais justo. É, pois, difícil de aceitar estas afirmações de incapacidade de governar que vêem do próprio Primeiro-Ministro recentemente empossado e de vários dos políticos de primeiro-plano que pertencem aos quadros políticos do partido que sustenta o Governo em funções plenas.

Impõe-se, por isso, que aqui e agora façamos uma reflexão sobre as lideranças políticas governamentais, a sua natureza e capacidades essenciais, e, bem assim, os modos como essas lideranças políticas devem incorporar os desejos e vontades dos governados e desenhar as consequentes estratégias de desenvolvimento, ou no caso actual, definirem as linhas orientadoras da saída da crise gravíssima de empobrecimento e potencial decadência progressiva em que Portugal se encontra no final de 2009.

Os portugueses poderiam pensar que quando votam e escolhem os seus representantes na Assembleia da República que, depois, por decorrência da maioria dos deputados, dão origem à investidura de um Governo, tal escolha e instituição, juramentada pelo Primeiro-Ministro escolhido de entre os militantes do partido mais votado, daria natural e devidamente origem a um Governo. E pensariam também que este órgão de soberania, detentor do poder executivo, procuraria dar um caminho e orientação para o País, sendo que, num contexto de crise gravíssima como a actual, essa condução é absolutamente vital para assegurar a própria salvaguarda da coesão e acalmia social.

O Governo investido apresentou em tempo perante a Assembleia da República o seu Programa e pensar-se-ia que iria começar a preparar a implementação de um conjunto de opções políticas e económicas naturalmente decorrentes do diagnóstico detalhado da situação da crise nacional que precedentemente tinha realizado o partido que lhe dá apoio político e institucional.

Assim, seria natural e exigível que o Governo pudesse apresentar à sociedade portuguesa rapidamente as grandes linhas de orientação e o caminho e estratégia que pretenderia seguir para enfrentar os graves problemas nacionais e conduzir o país no espaço da legislatura para uma melhor situação económica, social e moral.

Só que, como acontece em todas as demais instituições da vida económica e nacional, o Governo carece de uma liderança efectiva e visionária que seja capaz de afirmar o conjunto de ideias e opções estratégicas de condução do país e se demonstre como inequivocamente determinada e empenhada no encontrar das soluções que mais eficazmente possam garantir a renovação económica, social e moral da República portuguesa.

Esse importantíssimo papel de orientação e vislumbre do futuro novo e desejável é o papel nobre dos líderes, que nobilita quem o exerce perante os que o seguem, neste caso dos principais líderes políticos do Governo. E o principal intérprete dessa liderança transformacional e visionária só pode ser no caso do Governo o próprio Primeiro-Ministro em funções.

As lideranças, designadamente as de teor político, sabe-se bem, assumem muito maior relevância e determinação nos momentos e situações de crise grave – que é indiscutivelmente a que vive hoje a muitos títulos e com muitas repercussões a situação actual da República portuguesa.

Uma verdadeira liderança, que possa ser seguida pelos principais intérpretes e agentes económicos, sociais, culturais e morais, e indispensavelmente constituir a referência das acções e comportamentos da maioria dos cidadãos, precisa de ter uma visão orientadora ambiciosa mas lúcida que lhe permita fazer as escolhas e determinar os objectivos e orientações das políticas. E a liderança eficaz precisa de legitimidade para poder ter a capacidade de persuadir e conquistar os cidadãos para esse novo e melhor caminho do futuro, do qual não podem restar dúvidas que será melhor do que aquele que constituirá a perpetuação do presente e das perspectivas negativas que deste decorrem.

Não há líder, nem liderança efectiva, sem que exista confiança e “confiabilidade” nas propostas, nas acções e no carácter dos líderes. Os líderes têm de ter ideias e valores influentes, mas que sejam eficazmente mobilizadoras da acção dos protagonistas sociais e económicos, dos cidadãos de um modo geral.

Por isso mesmo, as estratégias e tácticas de manipulação perceptíveis são contraproducentes, porque desvanecem a confiança nas capacidades e competência dos líderes que as praticam e degradam o carácter de quem as teima em praticar. E, nestes casos, a retórica das boas intenções é facilmente entendida como despicienda, tornando-se em mais um obstáculo para consequente percepção de confiança nos líderes e na sua indispensável liderança política.

Os líderes que querem ter efectivamente a possibilidade de afirmar a sua capacidade de condução estratégica da sociedade e da vida política, de serem respeitados e seguidos pelos cidadãos para quem governam, devem basear a sua acção e escolhas em princípios e valores indiscutíveis. Princípios básicos como a lealdade, a equidade, a justiça, a integridade, a honestidade e a confiança, são os ingredientes essenciais de uma boa liderança. A liderança que se afirma em função de princípios e valores básicos permite aos líderes serem directos, honestos e frontais, por um lado, e evitarem com sucesso evidente os truques da duplicidade e da desonestidade, isto para evidente contragosto de muitos que pretendem e anseiam pela manipulação e a dissimulação ou a propaganda disfarçada de retórica ínvia ou vazia.

Os líderes que respeitam estes princípios são merecedores de confiança intuitiva pelas pessoas, que passam a aceitar uma personalidade e um carácter que lhes dá o exemplo, o bom exemplo, e lhes permite aceitar sem dúvidas a personalidade do líder e as suas escolhas e opções. E permitir-lhes-à estabelecer com esse líder relações de prazo longo, derivadas dessa “confiabilidade” que se mantém ao longo do tempo.

Um líder que representa valores que os outros aceitam e desejam seguir tem sempre um exercício mais fácil de liderança; a dúvida e a dificuldade de aceitação das orientações e acções dos líderes são nestes casos muito menos evidentes, porque as pessoas reconhecem as guias condutoras e a sua ancoragem em bens superiores que se expressam nos valores que os líderes afirmam e comunicam partilhar.

As qualidades do líder ou dos líderes eficazes de hoje, para aqueles a quem se dirigem no sentido de influenciarem ou conduzirem num determinado sentido e direcção, são menos as de um “Grande Chefe”, inundado de um poder profético ou heróico, e sobretudo as de alguém que é capaz de “compreender a diversidade de motivos dos seus concidadãos, as diferenças de intensidade com que eram defendidas as posições contrárias, e a direcção da mudança de cada uma delas, de momento a momento” (como escreveu Garry Wills a respeito das capacidades indiscutíveis de Lincoln).

Os líderes grandes e exemplares de agora são sempre o produto de grandes causas que eles mesmos em muitos casos capazes definem e incorporam, e por isso os líderes desempenham as funções em benefício de uma comunidade criando sentido e objectivos, reforçam a identidade e a coesão nacional e estabelecem a ordem necessária à mobilização do trabalho colectivo aos mais diversos níveis e actores sociais, económicos e culturais.

Claro está que os líderes detêm poder e influência e exercem autoridade, pois que a liderança é em si-mesma sempre uma relação de poder. Mas os líderes democráticos são cada vez menos aqueles que se afirmam pela coacção e o medo e mais pelo denominado poder brando (o denominado “soft power”). Este tipo de poder implica a persuasão, a admiração das qualidades de comunicação, o predomínio do espírito de negociação, o entrosamento com as necessidades e anseios dos liderados, como principais componentes da afirmação do poder dos líderes. O poder para estes líderes democráticos é, então, como afirmou Richard Neustadt, “sobretudo a capacidade de persuadirmos os outros de que é do seu próprio interesses fazerem aquilo que queremos que eles façam”.

Acresce que o contexto em que se exerce o processo de liderança é decisivo para a emergência e sucesso dos líderes actuais. O contexto do exercício do processo de liderança, que é agora sempre caracterizado por fenómenos e factores grandemente voláteis e indefinidos ou complexos, pode determinar as condições efectivas de sucesso dos líderes existentes ou contribuir para a emergência de outros mais ajustados e capazes de lidarem com esses grandes constrangimentos situacionais. Por isso, as situações de crise, e especialmente as de crises gravíssimas, determinam líderes especiais que ainda que sejam “indivíduos que não controlem as ondas, possam cavalgá-las; que não controlando os acontecimentos ou as estruturas, possam prevê-los e, em certa medida, subordiná-los aos seus propósitos” (John Kingdom, citado em Joseph Nye, Jr., pág. 26).

Nas situações de crise grave não bastará aos líderes a apresentação de propostas que continuem a concretizar o que aconteceu no passado que se demonstrou medíocre. São necessários, por isso, novos modelos e orientações que permitam fazer o necessário e o diferente para o futuro que se avizinha como perturbante.

Estes novos líderes têm de ser transformacionais, não se podem limitar a lidar com o contexto em que actuam, têm de ser capazes de transformar as limitações e fragilidades em rupturas que conduzam a melhores soluções no futuro para os principais temas e problemas que definem a situação de partida. Têm, por conseguinte, de agir não apenas sobre os acontecimentos mas de fazerem os próprios acontecimentos. “A importância dos líderes é ligeiramente maior ou menor, dependendo do modo como eles diagnosticam as situações de crise, das respostas que prescrevem para as resolver e da capacidade de mobilizarem o apoio das suas comunidades políticas”.

Os líderes autênticos são verdadeiramente humildes. Isto é, são capazes de voltar atrás e verem as coisas, examinarem os problemas de outra forma, perspectivarem novas soluções e fazerem outras escolhas – negociando politicamente e em permanência como os actores relevantes do sistema.

E hoje, perante a crise gravíssima de Portugal, a liderança política que comanda o Governo do país tem de ser capaz de visionar o futuro desejável, de antecipar as dificuldades da rota de correcção das incapacidades, fragilidades e insuficiências, de desenhar exercícios de prospectiva e de concepção de estratégia de desenvolvimento, que permitam uma nova esperança para Portugal neste primeiro quartel do século XXI. Será necessário prever e projectar as mudanças das estruturas e sistemas que condicionam o desenvolvimento e o crescimento económico e ir reformando profundamente as componentes da moralidade da República.

A humildade destes líderes revela a sua autenticidade e a nobreza do seu carácter e da sua inteligência – as quais exprimem a grandeza ética dos líderes. Como bem refere Stephen Covey “ A pessoa ética olha para cada transacção económica como um teste à sua administração moral. É por isso que a humildade é a mãe de todas as virtudes – porque ela promove a administração”.

A boa moral, a grandeza de valores e de actos dos líderes, é, por isso mesmo, uma condição insubstituível para a correcta e justa condução dos negócios públicos e do Governo de Portugal. Nunca devemos aceitar que o Governo da nossa 3ª Republica possa estar subjugado às máximas de Maquiavel de que “Deveríamos ser temidos amados, mas dada a dificuldade em conciliar ambas as coisas, é muito mais seguro ser temido do que amado […]. Todavia, ainda que não conquiste amizade, um líder deve fazer-se temer de tal modo que evite ser odiado”.

Um líder político de um Governo, um Primeiro-Ministro, não pode nem deve querer ser temido pelo medo que inspira, porque o contrário do medo nunca é o amor mas sim o ódio (como bem o percebeu o próprio Maquiavel naquela indicação que deu ao seu Príncipe da época). E nunca poderá o Primeiro-Ministro de Portugal entender que manobrando pelo temor e medo que instila nos governados e nos restantes actores políticos está a governar para o bem do povo – isso é uma contradição insanável que terminará mais cedo ou tarde por uma “revolta popular”, nem que seja apenas expressa nas urnas eleitorais como acontece sempre em regimes de democracia liberal como é o de Portugal desde 1974.

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Democracia, “Bom Governo” e Prestação de Contas em Portugal

Dizemos em Portugal desde há muitos e habitualmente que vivemos em democracia – e isso mesmo consta da nossa constituição desta 3ª República, não apenas no domínio político, mas também no económico e social.

Também há quem diga, desde há muito tempo e com cada vez mais insistência ultimamente, que a nossa vivência democrática tem muitas limitações e que não teremos atingido já, inequivocamente, a circunstância e os hábitos comunitários próprios de uma democracia adulta.

Quando em Portugal se elege uma maioria que forma o Governo, esta tem tido quase sempre tendência, quando é maioria absoluta no parlamento, a constituir um poder praticamente absoluto – acabámos de viver recentemente o significado extremo e inequívoco dessa realidade. Este tipo de poder tendencialmente asfixiante apoia-se sempre e apenas nos seus deputados, nas suas propostas, nas suas ideias e valores e na ideologia quando a tem e exprime, senão sempre pelo menos em determinadas alturas.

O Governo da maioria política passa rapidamente a entender que deve dominar o Estado, encher os gabinetes ministeriais de assessores próximos do partido do poder, nomear os seus apaniguados e simpatizantes para os inúmeros lugares de topo da administração central, dos institutos públicos e das empresas públicas. Ou seja, o Estado é governamentalizado e transformado numa máquina de poder ao serviço do partido que constitui a maioria dos sufrágios.

Este “estado de coisas” passa a ser, por conseguinte, um desvio enorme do sentido do que é o Estado, do que ele deve ser e a quem deve servir. Há como que uma usurpação do sentido essencial do Estado que seria sempre suposto dever servir e representar todos os cidadãos.

O Estado, como se deveria entender a bem do “Bom Governo” e de uma Democracia exigente e de valores elevados, não deve estar ao serviço de apenas uma parte e uma parcela da vontade popular, ainda que seja maioritária. Porque assim não se acautela a indispensável independência do Estado da voracidade partidocrática e não se pode vir dizer, como o fazem sistematicamente aqueles que se apoderam e usurpam o sentido do Estado, de que se está a servir (sempre) o denominado “interesse geral”.

Não, assim tomado por dentro pelos meros interesses partidários da maioria política do dia, o Estado serve apenas as vontades e projectos dos que governam e que tomaram as suas instituídas rédeas de poder. Por isso se diz, nestas condições, com grande propriedade, que o Governo que está no uso do poder se limita a representar-se a si-mesmo e que usa o poder de Estado para se tentar perpetuar.

A democracia fica, então e por consequência, obviamente limitada no seu verdadeiro alcance e nas possibilidades de apresentação e validação de alternativas políticas que são normalmente condenadas a derrotas sucessivas nas instâncias respectivas. Uma parte muito importante do povo, dos seus legítimos interesses e vontade que é expressa pelas oposições, fica arredada de validar as suas alternativas e opções de “gestão da coisa pública” e do Estado. Nestas condições, o Governo passa a ser um instrumento de afirmação do poder quase absoluto de uma maioria política, retira expressão às restantes vontades expressas na vida nacional, e reduz a democracia a uma mera e limitada concretização das propostas e ideias políticas da maioria governamental.

O Governo governa apenas para uma parte do povo e da Nação e tende a reduzir a sua ética a uma permanente luta pela supremacia dos valores da maioria política. No extremo da governação, por esta via limitativa da diversidade política, o Governo vai a prazo perdendo possibilidades de negociação com outras forças políticas e sociais, as quais lhe vão deixando de aceitar a legitimidade, a confiança, a dignidade de exercício do poder, reduzindo-lhe a respectiva ética governativa. O poder que assim se exerce de forma praticamente absoluta perde a sua legitimidade democrática e vai progressivamente exaurindo a sua ética própria perante o povo para quem diz governar.

Os interesses públicos, ou o também muitas vezes denominado “interesse geral”, passam então a ser vistos como os meros interesses de quem governa, e a maioria é cada vez mais entendida como governando para si-mesma. Ao mesmo tempo que o Governo se confunde cada vez mais com o partido que detém a maioria política.

A confusão entre Estado, Governo, maioria política e partido do poder, torna-se inequívoca e desfaz a verdadeira noção de que a democracia é o “governo do povo, para o povo e pelo povo”. Quem governa fá-lo nestas condições em benefício dos seus próprios interesses e valores e não dos da Nação e do povo. Partido e poder confundem-se com cada vez maior intensidade e assistem-se a múltiplas confirmações desta natureza do poder através de inúmeras nomeações de membros e simpatizantes do partido do poder para cargos públicos, empresariais ou quasi-públicos.

É certo e sabido da teoria política que o Governo, os governantes, exercem o poder político com a intenção de renovarem a sua maioria em cada próximo acto eleitoral. A racionalidade que impera no exercício do poder é a da tentativa de reeleição, e a perspectiva com que se governa é quase sempre, por natureza dos mandatos, a de curto-prazo, a qual desvaloriza por consequência as grandes medidas e referências estratégicas. Praticamente não se vê que o Governo se preocupe e debata com a sociedade os grandes problemas e a estratégia de longo-prazo do país. Nem tal lhe interessa, sobretudo quando esse tipo de questões traz associadas enormes indeterminações sobre o devir do todo nacional.

O Governo confirma, nos seus mandatos e nos níveis de preocupações que apresenta perante a sociedade, bem como nas propostas que defende para as solucionar, que quer iludir o mais possível as ameaças do futuro a prazo e quer, isso sim, garantir que quando o novo acto eleitoral chegar se consegue apresentar perante o povo nas melhores condições possíveis para garantir novo mandato. Para o que forjará, na altura eleitoral, um novo “Programa” que procure esquecer novamente as questões extremas que assolarão o futuro do país.

O Governo que assim governou e pretende continuar a governar, sabe que quando essas questões difíceis chegarem e se tornarem praticamente iniludíveis e inultrapassáveis já os governantes de ontem e os de hoje estarão certamente longe do Governo do país.

Os Governos farão, por conseguinte, o que o curto-prazo indicar e aquilo que lhes trouxer popularidade fácil e correspondentemente os votos, e dispensarão sempre a prospectiva e a estratégia nacional, bem como a tentativa de diagnosticar os principais problemas do futuro nacional e de apresentar as respectivas soluções num determinado horizonte temporal relativamente alargado. Porque a absoluta vontade e necessidade de serem reeleitos e deterem novamente o tal grandioso e absoluto poder do Estado os torna indefectíveis do curto-prazo e da correspondente criação dos cenários de ilusão em cada novo acto eleitoral.

Entretanto, no poder, com o Estado tomado de assalto, os partidos maioritários e os governantes vão tomando decisões, despendendo os escassos recursos financeiros dos contribuintes, fazendo obras e projectos que dizem vão resolver os tais problemas menores que identificaram e incluíram nos respectivos programas eleitorais. Só que em muitos desses novos projectos e obras, muitas e muitas vezes dificilmente justificáveis, cometem-se atropelos mesmo às regras definidas pelo Governo em funções.

É fácil, então, encontrar obras que avançam sem que estejam garantidas todas as medidas legais, que acabem a custar muito mais do que eram os seus respectivos orçamentos, que se atribuam em função de condições iniciais que depois são abandonadas na adjudicação, e muitas outras obras e projectos que sejam atribuídas sem correspondentes concursos públicos. Ou seja, os governantes e seus dependentes em vários institutos públicos prevaricam ou mandam prevaricar contra os interesses públicos, e o tal “interesse geral” que prestimosamente afiançam sempre defenderem, tudo isto sem que se sintam obrigados a virem, perante a Nação e povo que representam, e em nome do qual actuam, dar a devida e transparente prestação de contas.

Prestação de contas que deve ser feita em nome da democracia, em primeiro lugar, de uma democracia efectiva e não meramente semântica e defraudada, e, em segundo lugar, e indispensavelmente, em razão da assunção das reais e efectivas responsabilidades dos diferentes agentes que assim prevaricam sistematicamente contra a sociedade e o erário dos contribuintes nacionais. A prestação de contas exige transparência permanente e atribuição das responsabilidades; a transparência permite à sociedade avaliar da economia, eficiência e eficácia dos gastos dos recursos públicos, e a responsabilização permite que os agentes não sejam indiferentes ao modo como usam os bens de toda a comunidade nacional.

O Governo de Portugal não é, não pode ser, o príncipe absoluto que tudo pode e tudo quer. O Governo está mandatado pelo povo e actua em seu nome, pelo que é obrigado a defender, com a mais estrita transparência e rigoroso cumprimento da lei da República, os negócios públicos em que actua como intermediário do povo que sempre será. E deve prestar ao povo contas detalhadas dos contratos e dos gastos públicos que faz ou aceita vir a fazer, porque o erário público é pertença do povo e nunca do Governo.

O Governo de Portugal, para que tenhamos uma melhor democracia e maiores níveis de exigência ética na política nacional, não é nem dono do Estado nem muito menos da Nação. O Governo deve responder sempre perante o país, quer através das iniciativas que as oposições políticas intentem nos locais próprios, quer perante os tribunais financeiros e outros, quer por sua própria iniciativa, o que seria sinal de maior dignidade e honradez política, pelas acções e actividades próprias de todos os ministérios e departamentos governamentais ou institutos públicos quasi-públicos. Tudo deve ser feito na República para que os governantes e agentes públicos de relevo esclareçam os portugueses dos seus actos, projectos e obras respectivas.

Uma Democracia eficaz e adulta, um “Bom Governo” e uma “Prestação de Contas” séria e rigorosa, exigem maiores padrões de ética política para Portugal – tanto agora como, por ainda maior razão, nos anos futuros!

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Notícias de Portugal: A “Podridão Reaccionária Em Curso (PREC de 2009)”

Portugal está no caminho da desgraça, não apenas financeira e económica, mas sobretudo moral e do próprio regime. Não será apenas o cada vez mais patente regresso a uma vil e apagada tristeza, com a proliferação da miséria nauseabunda numa Europa em queda de poder e significado no Mundo global competitivo, mas sobretudo a impostura de uma “mentirocracia” que se vai esgotar numa qualquer esquina próxima da nossa história colectiva. Há, por conseguinte, por lassidão e desmoralização crescentes um verdadeiro processo de “Podridão Reaccionária Em Curso (o PREC de 2009)” que pode vir a terminar em verdadeiras convulsões sociais de que ninguém pode antecipadamente prever como começam e terminam.

E não é certo, bem pelo contrário, que a revolta (porque a indignação já não se basta) não possa vir a estar de novo na rua se as elites prostituídas pela perfídia da bebedeira do poder não tomarem uma caminhada de dignidade, honradez, rigor patriótico, e se relegitimarem aos olhos do povo que devem liderar.

Vamos ver como alguns dos nossos melhores de sempre (Pessoa, António Vieira e Eça) viram Portugal e os portugueses que os lideravam e podem permitir-nos ver a nossa tristonha e vil realidade de uma República que deixou de ter ética própria de legitimidade inquestionável e que relativiza dia após dias os valores do Bem e do Mal, do Bom e do Mau Governo (foi esse, lembre-se agora vivamente, o fio condutor para a longa ditadura salazarista, não o esqueçamos agora, porque a farsa, primeira, pode repetir-se em tragédia, como segunda).

1. “O Fracasso”, para Fernando Pessoa (em Páginas do Pensamento Político 1910-1919, edição Europa-América, Organização de António Quadros, 1986)

“Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos – porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com o seu quadro de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos – de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regime a que, por contraste com a monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo da ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei da separação da Igreja do Estado – todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a república que veio multiplicou por qualquer coisa – concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) – os escândalos financeiros da monarquia. (…)
(…) É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da república? Não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na monarquia era possível insultar por escrito impresso o Rei; na república não era possível, porque era perigoso, insultar até verbalmente o Sr. Afonso Costa. (…)
(…) Este regime é uma conspurcação espiritual. A monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada, nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a república veio [a] ser” (fim de citação).

2. “A falta de sal na Terra”, para o Padre António Vieira (em Sermão de Santo António aos Peixes, pregado na cidade de S. Luís do Maranhão em 1654, edição Clássicos da Língua Portuguesa, Sermões, 1979)

“Vós, diz Cristo, senhor nosso, falando com os pregadores, sois a sal da terra; e chama-lhe sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhe dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga e os pregadores dizem uma ciosa e fazem outra, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem que fazer o que dizem; ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é isto tudo verdade? Ainda mal.
Suposto pois que ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar, que se há-de fazer a este sal e que se há-de fazer a esta terra?” (fim de citação).

3. “Teodoro* entre o Céu e o Inferno”, para Eça de Queiroz (em o Mandarim, Obras Completas de Eça de Queiroz, III Volume, Círculo de Leitores, 1980)

“Veio-me à ideia de repente que tinha diante de mim o Diabo: mas logo todo o meu raciocínio se insurgiu resoluto contra esta imaginação. Eu nunca acreditei no Diabo – como nunca acreditei em Deus. Jamais o disse alto ou o escrevi nas gazetas para não descontentar os Poderes Públicos. Mas que existam estes dois personagens, velhos como a Substância, rivais bonacheirões, fazendo-se mutuamente pirraças amáveis –, um de barbas nevadas e túnica azul, na toilette do antigo Jove, habitando os altos luminosos, entre uma corte mais complicada que a de Luís XIV; e o outro enfarruscado e manhoso, ornado de cornos, vivendo nas chamas inferiores, numa imitação burguesa do pitoresco Plutão – não acredito não, não acredito! Céu e Inferno são concepções sociais para uso da plebe – e eu pertenço à classe média. Rezo, é verdade, a Nossa Senhora das Dores: porque assim como pedi a compadrice do Sr. Doutor para passar no meu acto, assim como, para obter os meus vinte mil réis, implorei a benevolência do Sr. Deputado, igualmente, para que me não assalte o tifo e não me fulmine a apoplexia, necessito ter uma protecção extra-humana. Ou pelo rapé ou pelo incensador, o homem prudente deve ir fazendo assim uma série de sábias adulações desde a Arcada até ao Paraíso” (fim de citação).

(*) Teodoro é o personagem principal desta obra do nosso grande Eça de Queiroz, trabalhava em Lisboa onde era amanuense do Ministério do Reino e vai correr mundo até Jerusalém abonado pela sua rica tia, uma fervorosa católica apostólica romana que queria converter o seu perdido sobrinho e desviá-lo dos caminhos ínvios da capital.


Há praticamente um ano escrevi aqui neste mesmo espaço do Jornal um texto a que dei o título de “Um ar funesto na cidade”. Embora de um modo convenientemente metafórico e eminentemente simbólico esse escrito torna-se agora de novo muito oportuno e respigo para hoje as frases que se seguem, que com muita humildade parecem renovar as palavras de Pessoa, Vieira e Eça que acima ficaram.

4. “Um ar funesto na cidade”

“Há um ar funesto a descer sobre a cidade. Sente-se já o cheiro de uma certa podridão a invadir as nossas narinas. O Sol parece que vai desaparecer e abandonar-nos na volta dos dias que estão para vir. O bulício das crianças já se desvanece numa quietude que nos inquieta e abre fragas nos sentidos.
Os rostos que passam deixam transparecer um olhar baço e uma tez arreganhada. Sentem-se as preocupações e palpita-se a desconfiança. Vem-se a nós a desesperança e o abandono das conquistas no futuro. Este lê-se prenhe de desvarios e de escuridão. A luz apaga-se a cada instante que nos perpassa. Não se vê um amanhã novo, um horizonte radioso. Dá-se-nos a vontade de fechar as janelas e soltar um grito – lancinante de dor e de raiva.
As ruas estão inundadas de ignomínia, de luxúria, de sofreguidão insana pelo vil metal, de despreocupação com os infortúnios e a miséria. A injustiça é flagrante e adensa-se a corrupção das mentes e dos corpos. Tresandam-se as rosas e os canteiros, neles fenecem as sementes da boa fortuna. No rio há um imenso lodaçal, nem os peixes se podem salvar já, de tanta podridão. Consomem-se as almas, soam as desventuras, invade-se a inteligência com medos, campeia já a lassidão e a indiferença doentia. Socialmente rareiam os princípios, a dignidade e a respeitabilidade. Soam atrozes as ilusões e as mentiras, ribombam as trombetas da propaganda. Na cena, no espaço central da “polis”, vagueiam as mesmas sombras – da arrogância, da altivez, do desvario, do insuportável manobrismo.
“Chega, basta, que a canga está demais” – grita um alguém de lá de baixo, cheio da sua miséria longamente sofrida em silêncio!” (fim de citação).

A 3ª República perdeu continuadamente a sua moralidade e o estatuto das elites políticas e outras é medíocre e desacredita-as aos olhos dos comuns cidadãos; o próprio regime passa a estar progressivamente em questão pela degradação a que se vem assistindo (Pessoa tem outra vez razão). Não há sal que evite a corrupção, nem os pregadores pregam as doutrinas sãs, preferem pregar-se a si-mesmos e aos seus súbditos servis e benevolentes; campeia a verdade dos factos sujos das acções e das vontades dos poderosos (Vieira tem agora novamente sentido: não há sal para esta Terra!). Os Teodoros estão aí em todo o lado, nos postos mais altos da República, onde beneficiam da compadrice e do espírito de seita que substitui a competência e o rigor pelo “amiguismo” e o seguidismo político-partidário (Eça definiu os personagens que pululam nos meandros e corredores do poder; e aos outros, os “filhos de deuses menores”, só lhes resta pedirem a intercessão dos Deuses e dos Anjos para sobreviverem).

Portugal vai-se, assim, esvaindo e apoucando, num processo de apodrecimento e desvario moral que não pode acabar em Bem!

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A Saga do Senhor das Finanças (ou do “Nosso Senhor dos Anéis”)


Ainda estaremos todos muito bem recordados dos dados macroeconómicos de crescimento económico e da diminuição do défice orçamental em que assentava o primeiro orçamento para 2009 apresentado no final do ano transacto pelo Governo e tão galhardamente defendido pelo nosso Ministro das Finanças (o “Nosso Senhor das Finanças”, Professor Teixeira dos Santos).

Este orçamento para 2009, que foi logo tão criticado por vários quadrantes políticos e económicos da nossa vida nacional, apresentado no parlamento e ao país já depois da crise internacional ter proporções ameaçadoras continuava a prever um crescimento económico em progressão e um défice orçamental em queda para um valor que seria menos do que os 2,6 % de 2008.

E todos nos lembramos da veemência e do tom categórico com que o “Senhor das Finanças”, o doutor Teixeira dos Santos, “vendeu” no parlamento essa enorme e indisfarçável prestidigitação da realidade nacional e internacional. Nessa altura o Governo e o Senhor Ministro ainda “estavam numa” de que Portugal estava robusto e de que não senhor a crise não afectaria aqui este nosso cantinho da boa e imparável governação socialista. Visto que, segundo se afirmava nos “mentideros” do poder à data, se alguém no mundo português percebia da dimensão e do alcance da crise esses eram indiscutivelmente os ministros socialistas do Primeiro-Ministro José Sócrates.

Acontece que logo em Janeiro de 2009, depois se ter prestado com toda a quietude a esse primeiro exercício inqualificável, o “Senhor das Finanças”, com o beneplácito do seu Primeiro, apresentou no mesmo Parlamento da Nação uma rectificação de fogacho onde passava o limite do endividamento do Estado dos iniciais 7,3 para os 10,1 mil milhões de euros e, ao mesmo tempo e sem mais, o défice orçamental previsto dos singelos 2,2% do PIB (do seu magnífico e tão valentemente defendido exercício inicial) para os 3,9%.

Havemos de convir em abono da credibilidade, da legitimidade, da correcção e do rigor, e talvez mesmo da competência exigível a quem governa para o povo e em nome desse mesmo povo, que um governante como o Ministro das Finanças tem o óbvio dever de estudar a economia nacional, realizar contas rigorosas e previsões realistas, pelo que esta encenação foi desde logo imprópria e lamentável.

Mas esta “Saga do Senhor das Finanças” viria a ter mais um acto em Maio quando o doutor Teixeira dos Santos veio a ser obrigado, ao que se sabe por intervenção directa do próprio Presidente da República, a apresentar um novo orçamento rectificativo a que lapidarmente deu a denominação de “Iniciativa para o investimento e o emprego” – por existir na semântica e no léxico do Governo uma impossibilidade de chamar rectificativo ou suplementar aquilo que objectivamente se configurava como tal.

Desta penada o “Nosso Senhor das Finanças”, o grande ministro da fazenda (hoje coisa) pública nacional, passava o limite do endividamento do Estado dos iniciais 7,3 para os 10,1 mil milhões de euros, e o défice orçamental dos tais antes reconfigurados 3,9% do PIB para os 5,9% agora desta feita refundidos. E garantia Sua Excelência que esta era a sua última palavra em matéria de exercícios orçamentais, jurando a pés juntos (e talvez até pelas alminhas) que o défice público seria no final do ano naquele valor máximo.

E assim durante vários meses o Professor Doutor Teixeira dos Santos e os seus ajudantes secretários seriamente se comprometeram com tal défice máximo. Isto assim mesmo contra alguns economistas e vozes de políticos (os tais bota-abaixistas de sempre segundo as crónicas da governação) que iam dizendo de fora para dentro das Finanças que a coisa/erário públicos iam estar mais complicados no final de 2009 e seria expectável, com elevada probabilidade, que o défice orçamental disparasse para muito próximo dos 8% do PIB (lembrem-se aqui a título de exemplo o exercício de previsão em simples folhinhas de papel do Dr. Bagão Félix depois publicado em artigo no Diário Económico e o também em tempo útil protagonizado pelo líder do CDS/PP na Grande Entrevista da RTP).

Assim, durante meses, ao longo de todo o Verão, enquanto decorria o período pré-eleitoral e depois o eleitoral, o “Nosso Senhor das Finanças” mantinha a ilusão e a falsidade das contas públicas perante o país, num exercício que visava apenas escamotear dos portugueses votantes a realidade do agravamento insustentável do défice público – que só agravaria, se fosse assumida publicamente, a possibilidade já previsível de o Partido Socialista perder ainda muitos mais votos e a tão acalentada maioria absoluta.

A política, a tentação do poder, possivelmente absoluto como no anterior mandato, fizeram do doutor Teixeira dos Santos um ilusionista e um manipulador que transmitia ao povo que devia bem governar não a verdade mas uma capciosa desfiguração da mesma. E isso era feito em nome do mero calculismo político de um Governo que mais do que governar para o bem comum alimentava de todo o modo possível a falsidade que lhe possibilitasse “comprar votos” a muitos portugueses incautos para se perpetuar num novo ciclo político de poder (que se desejava escudado numa forjada maioria absoluta).

Uma monstruosidade política e económica foi portanto montada perante um circo eleitoral que estava de permeio. Agora que esse circo acabou e o “Nosso Senhor das Finanças” se mantém no leme da fazenda pública, de repente, contra tudo o que foi dito e propagandeado na campanha eleitoral, eis que o doutor Teixeira dos Santos vem refazer o seu exercício de gestão orçamental. Não, não, agora o défice afinal não será os ajuramentados e sagrados 5,9% do PIB mas muito provavelmente os tais 8% que ainda há uns dias a Comissão Europeia tinha vindo a prever. E que para tal será necessário fazer agora um novo aumento do endividamento fixando o novo limite em mais 4.900 milhões de euros – com o servil beneplácito do Parlamento da República a que o doutor Teixeira dos Santos tão maquinal quanto sibilinamente agora procura envolver.

Mas esta novidade do “Nosso Senhor das Finanças” vem agora com mais uma brilhante e importantíssima nuance, a de que agora este renovado exercício seria não um orçamento rectificativo, nem suplementar, nem corrigido, seria isso sim, imagine-se, “um orçamento redistributivo”.

Evidentemente que a dívida pública com que o país ficará vai aumentar também mais uns pontos e a Comissão Europeia, lá de longe e com a lupa gigante que tem (faz tanta falta uma lupa destas aqui no Ministério das Finanças), já prevê que passe dos 66,3% do PIB para os 77,4%, que será tão-somente o máximo de sempre. Deve também aqui dizer-se que esta mesma dívida pública era apenas de cerca de 50% do PIB em 2000 e está projectada (pela Comissão Europeia uma vez mais) chegar aos 90% em 2011.

Assim sendo, e porque se aproxima a apresentação ao Parlamento e ao país de uma nova proposta orçamental, fica agora lançada a questão se saber que tipo de exercício vai o Ministro das Finanças fazer para este novo ano de 2010. Que dados e projecções fará? Que cenário macroeconómico irá apresentar ao país? Voltaremos ao princípio desta “Saga de 2009” com um novo embuste técnico e político, que da farsa se transformará, por repetição, em tragédia nacional? Para depois durante todo o ano andar o nosso “Senhor das Finanças” a correr atrás dos números e das previsões em novos ilusionismos e maquinações?

Por isso, em face do que vão sendo as tristes previsões que instituições internacionais como a Comissão Europeia e a OCDE ou o Fundo Monetário Internacional tem apresentado sobre a economia e as finanças públicas portuguesas para os próximos anos é de exigir ao Governo e ao doutor Teixeira dos Santos que rapidamente comece a dizer ao país como vão evoluir no próximo orçamento algumas das seguintes variáveis económicas e financeiras:

Salários da função pública
Transferências sociais (subsídios de desemprego, rendimento mínimo, complemento solidário, abonos diversos)
Pensões e reformas (incluindo as de funcionários públicos)
Investimento público (vulgo PIDDAC)
Juros da dívida pública
Impostos directos
Impostos indirectos
Taxas
Receitas extraordinárias

Porque a evolução projectada pelo “Senhor das Finanças” para aquelas variáveis orçamentais em 2010 traduzirá escolhas e enquadramento para questões relevantes de estratégia económica e financeira de Portugal. E assim se ficará a conhecer alguma da verdadeira dimensão das escolhas políticas do Governo e do tal rumo e visão que o Primeiro-Ministro tanto propala aos quatro ventos que tem para Portugal.

Sendo também óbvio que uma noção profunda do sentido das escolhas do Governo exigiria que para essas questões orçamentais fosse feito um indispensável enquadramento com elementos quantitativos e/ou qualitativos numa perspectiva de médio prazo (até final da legislatura) que pudesse estar para além dos meros circunstancialismos eleitorais e da luta política de renovação ou conquista do poder (que em muitos casos servem para iludir as verdadeiras soluções daqueles problemas fundamentais). Estaríamos então já perante exercícios de prospectiva e estratégia, com uma determinada visão subjacente. Mas talvez seja mesmo pedir de mais porque o poder de governar em Portugal a tanto não está habituado nem se vai obrigando.

Todos precisamos urgentemente de saber como o país vai passar de um défice orçamental de cerca de 8% para menos de 3% até 2013 (com que o Ministro Teixeira dos Santos já se comprometeu publicamente), sem aumentos de impostos como consta do Programa de Governo e foi assumido pelo actual Primeiro-Ministro na recentíssima campanha eleitoral das legislativas. Para que não seja possível montar cenários virtuais convenientes que manipulem os valores das principais variáveis e que não venham a ter qualquer possibilidade de realização efectiva.

É isto que deve ser agora indeclinavelmente exigido ao Governo em nome da seriedade, da honradez, da credibilidade e da respeitabilidade na política e na governação de Portugal.

P. S.: O Dr. Vítor Constâncio acabou de se chegar à frente com previsões de aumentos de impostos e da desgraça do défice até 2013 quando ainda há apenas duas semanas com as previsões da Comissão Europeia na ordem do dia dizia ser muito difícil fazer previsões sobre o défice final de Portugal em 2009. Claro que ele vai ser provavelmente expatriado para o BCE onde talvez ainda vá ganhar mais umas dezenas de salários mínimos por mês do que aqueles que já recebe no Banco de Portugal. E deixará aos portugueses, que agora quer atafulhar em impostos nos próximos anos, as contas para liquidar relativas ao BPN, ao BPP e ao BCP, em que fez jus ao seu carácter seráfico e de magnífica eficácia enquanto regulador. O Dr. Constâncio regulará bem a sua vidinha a partir de meio de 2010, certamente em “Nome da Rosa”, como aliás vem tristemente sendo cada vez mais frequente ver-se aqui neste singelo cantinho da Europa.


José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Estado contra o futuro de Portugal


Quem ler e ouvir muitos dos discursos recentes de políticos e governantes ou mesmo de comentadores económicos fica uma vez mais em Portugal com a perspectiva de que será o Estado, o nosso omnipotente e omnisciente Estado, o de sempre e de todos os tempos, que solucionará os gravíssimos problemas de Portugal. Os problemas que, já se vai entendendo consensualmente, se traduziram numa década de definhamento económico e de empobrecimento relativamente à UE, num défice orçamental gigante, numa progressão assustadora da dívida pública, e num nível de endividamento exponencial – já para nem falar no desemprego massivo e nas centenas de falências de empresas que eram parte da nossa estrutura produtiva formada nas últimas décadas do século vinte.

O Estado, diz aquela narrativa prevalecente, vai de novo salvar-nos, como sempre afinal assim parece ter feito, portanto, nos dizeres absolutos dos arautos/oráculos do dia, dos desmandos do mercado, da ganância capitalista, das empresas nacionais e multinacionais rapinas, dos negociantes bolsistas que campearam impunes, e que detinham esmagadoramente as rédeas económicas do país.

Nesta primeira década do novo milénio, como em todo o século vinte, o Estado parece que não existiu, apagou-se, morreu, por conseguinte. Foi, terá sido, sempre entidade menor, sem poder efectivo, sem as correias e instrumentos que definiram a economia e a vida social e cultural de Portugal.

Ora, em abono de alguma da nossa história que alguns teimosa mas minoritariamente não obliteram, nem na primeira República, que acabou na bagunça e no desvario e sem poder pagar as pensões dos quantos a elas tinham direito, nem na ditadura estatal salazarista do condicionamento industrial e do policiamento das consciências individuais, nem no período revolucionário das nacionalizações que desmantelou os grupos económicos e os centros racionais de produção de riqueza, nem no do cavaquismo financiado a peso de ouro por Bruxelas que se concentrou nas infra-estruturas e nos desmandos da formação profissional, e muito menos no consulado magnânimo de Guterres em que tudo foi negociado e as corporações do regime aniquilaram recursos e mais recursos, em todos estes diversos períodos de cem anos, o Estado grandioso e interventor alguma vez desmaiou, encolheu ou deixou de ser presença acérrima e asfixiante.

Não, em Portugal parece que a reescrita dos governantes do dia que dominam neste novo século faz pensar que houve foi sempre Estado a menos e excesso de liberalismo económico, social e cultural, ou mesmo para uns tantos mais ideologicamente datados tudo se deve é ao neoliberalismo dos socialistas portugueses e europeus. Manda esta cartilha que se deve dizer e escrever que nem a educação, nem a justiça, nem a administração pública, nem a segurança ou a defesa foram deixadas para a mão fautora e reprodutiva do Estado. Porque se o fossem estaríamos hoje aqui neste cantinho da Ibéria no melhor dos mundos, e que agora com o “regresso em força” do Estado vai, dizem aos quatro ventos, construir-se o caminho do futuro radioso. Ao Estado o que é do Estado será, por conseguinte, o lema de ora em diante.

Por isso, manda a verdade dos tempos de hoje que se diga que foi mesmo a volúpia capitalista, a privatização destemperada de todos aqueles sectores sociais e da muita economia (de bens colectivos/públicos inquestionáveis) que nos condenou aos fracos resultados de crescimento económico, de emprego e bem-estar que se patenteiam quando comparamos internacionalmente o Portugal que vamos tendo.

Pois que o Estado, essa entidade suprema e superlativa, não desperdiça, não gere e gasta mal, não investe pior, os recursos escassos que tem – ainda que sejam cada vez mais e mais, pagos com os impostos dos contribuintes. Nem se diga que esse nosso Estado tem aumentado enormemente a factura dos impostos e rendimento com que fica ano após ano (pois que isso de ter chegado aos mais de cinquenta por cento da riqueza nacional é pormenor irrelevantíssimo).

Aliás, pode e deve dizer-se que o capitalismo neoliberal sem moralidade tornou mesmo absolutamente necessário ao nosso portentoso Estado nacionalizar o BPN e meter lá 3.5 mil milhões de euros da CGD. E que vai também ser necessário ao Estado, mesmo contra a inopinada opinião (mera opinião como as outras, obviamente) do Tribunal de Contas meter mais mil milhões nas obras das estradas adjudicadas ou a adjudicar aos consórcios conhecidos de longa data, estradas que são, como é demonstrado por estudos cientificamente inquestionáveis, enormemente necessárias e rentáveis para o país (e para os contribuintes actuais e futuros). Ou que será esse nosso patrono Estado a avançar para investimentos ferroviários e aeroportuários altamente reprodutivos e de muitas e muitas centenas de milhões de euros que conduzirão Portugal para o centro europeu e para uma era de modernidade com que sempre sonhámos (claro que os políticos ao leme são uns visionários e grandes estrategas e têm os mais altos conhecimentos da geopolítica e da geoeconomia de Portugal no novo milénio da globalização competitiva).

Esses são, não podem existir nem dúvidas nem tergiversações, os princípios económico-políticos, os sagrados mandamentos do nosso Estado, e não há ente ou instituições como “Ele” para resolver os problemas estratégicos de Portugal. Desta feita nada a temer porque seremos salvos sem dúvida dos dilemas que o Mundo capitalista nos impôs pelo Estado redentor.

Sim, assim será obviamente, porque esses empresários privados que levam anos e mais anos a avaliar se devem fazer um investimento de uns míseros 600 milhões de euros numa máquina de produzir papel e ainda dizem que é a maior do mundo, servem para quê? Ou aqueles, poucos, que levam anos a pensar se devem investir no turismo, na indústria, ou nas superfícies comerciais, são uns emperras, não conseguem acompanhar os passos enormes dos governantes e políticos que decidem majestosamente dia a dia.

Assim, com essa lentidão e essa preocupação minuciosa e caduca com a miseranda rentabilidade dos investimentos, o país não chega à modernidade a tempo e horas. É preciso, é indispensável mesmo, um “novo choque estatal” na economia pobre de Portugal, pois claro. E ninguém melhor do que aqueles que são o Estado, do Estado, de tudo pelo Estado e nada contra o Estado, para resolverem a singela questão da sobrevivência competitiva de Portugal durante as duas próximas décadas. Estes devem estar no poder contra aqueles retrógrados arautos da desgraça e do bota-abaixismo que não amam o Estado e não têm a presciência de vislumbrarem o novo caminho para a glória nacional.

Assim mesmo, em conclusão, tudo pelo Estado, nada contra o Estado, a bem do Estado e contra a corrente malévola de uns quantos “bota-abaixistas” sempre de mal com tudo e com todos quantos querem fazer obra, com uma inquebrantável atitude positiva. A essas Cassandras da desgraça, esses velhos do Restelo, que se atrevem a dizer que a Nação pode não sobreviver e salvaguardar um país de séculos sustentável para as próximas e inculpadas gerações, os “homens do Estado” dizem não, o caminho está traçado e não vai haver nem desvios de rumo nem recuo do Estado.

P. S.: Posso ser apelidado de bota-abaixista, de profeta da desgraça, mas penso que o sentido da navegação de Portugal, a sua estratégia de afirmação na globalização competitiva, devia ser outro bem diferente, com mais investimento privado, mais concorrência, mais indústria, mais produção para exportar; e muito mais rigor e menos compadrio na gestão pública que corrompe cada vez mais e mais…!

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Salários e Empregos em Crise Económica


Acabo de ver referida a entrevista de hoje do Secretário-geral da CGTP ao Jornal “i”, o doutorado Manuel Carvalho da Silva, que entre outras coisas se insurge contra a declaração recente do Professor Silva Lopes de que “os aumentos dos salários são fábricas de desemprego”. E deslocada e deselegantemente manda o Professor Silva Lopes experimentar viver com o salário mínimo durante três meses para ver como é possível (até apetecia indelicadamente perguntar se aquele sempiterno sindicalista também sobrevive do mesmo salário).

Se bem me lembro, em vários dos manuais de economia, desde logo nos dos Nobel Samuelson e Stiglitz, que não podem ser tidos como liberais ou mesmo neoliberais, estão feitas as observações e figurações empiricamente confirmadas relativas às relações directas entre o aumento dos níveis de salários mínimos e do desemprego dos trabalhadores sem qualificações ou que pretendem entrar no mercado de trabalho. O que forçosamente aumenta e muito em situações de crise e depressão económica como a que actualmente se vive em toda a Europa, pelo menos.

Aliás, o aumento enorme do desemprego em Portugal tem sido visível e praticamente imparável, o que deixa imensos trabalhadores fragilizados e dependentes apenas dos subsídios de desemprego, enquanto durarem no tempo, para sobreviverem eles e os seus respectivos familiares. E acontecem ainda com maior gravidade em muitos casos do interior de Portugal em que ficaram simultaneamente sem emprego os dois líderes familiares.

Sabemos também das características de muitas e muitas empresas portuguesas de pequena dimensão em sectores tradicionais, hoje submetidos a enormes pressões concorrenciais externas de produtos similares provenientes de países orientais e da Europa de leste que praticamente são imbatíveis pelos preços. Muitas destas empresas estão praticamente asfixiadas financeiramente e perdem espaço económico para se sustentarem.

Claro está também que os níveis baixos dos salários, sejam mínimos ou outros, não se resolve nunca administrativa ou politicamente, mas apenas com maior capacidade económica e competitiva das empresas.

Porque aumentar salários sem que as empresas vendam mais, criem mais riqueza, aumentem a produtividade do trabalho, conquistem quotas de mercado, numa síntese sejam mais competitivas, pode parecer muito benevolente para tentar melhorar as condições desses trabalhadores. E essa benevolência é sempre propalada pelos arautos defensores dos denominados “interesses dos trabalhadores”, com os sindicatos e os respectivos dirigentes máximos à cabeça. Este é, sempre tem sido, o papel e o discurso do Doutor Manuel Carvalho da Silva e da CGTP.

Mas corresponderão os aumentos dos salários nesta situação aos efectivos interesses dos trabalhadores, sobretudo dos menos qualificados, que são remunerados por valores próximos do salário mínimo, nesta época de grave crise económica em que podem estar em causa os próprios empregos? Ou não será antes preferível defender a todo o custo a manutenção do funcionamento das pequenas empresas e a salvaguarda daqueles postos de trabalho que garantem as retribuições indispensáveis para manter o nível de vida familiar dos trabalhadores?

Então, em síntese, o que é mais eficaz na presente situação para a defesa dos trabalhadores: defender aumentos provavelmente incomportáveis de salários em nome de uma pretensa maior justiça social e distributiva ou procurar garantir a manutenção dos empregos enquanto durarem as condições muito difíceis da crise económica ainda que isso possa traduzir-se em menores salários temporariamente?

Sabe-se dos princípios e fundamentos da ciência económica, que a política deve respeitar para ser realista e credível, que se as empresas não tiverem a capacidade de afirmação competitiva, no final de um determinado prazo ficarão fora do mercado em que actuam e os seus trabalhadores de baixa qualificação serão os primeiros a perderem os seus empregos. E nas épocas de crise económica grave as empresas tentam sobreviver com todas as armas que têm à sua disposição, uma das quais é a dos preços. Para venderem em mercados muito concorrenciais baixam-se margens de lucro até onde é possível. Por isso, é decisivo que não aumentem muito os custos de produção e se possível melhorem os níveis habituais de produtividade. Estas são as leis da economia concorrencial, sobretudo aplicáveis a pequenas e médias empresas de sectores tradicionais submetidos a grande pressão competitiva externa e interna.

Portanto, os arautos conhecidos dos aumentos salariais em geral e do próprio salário mínimo em particular, em que porventura estava incluído o Governo que agora parece ter recentrado o discurso e estar mais moderado e cauteloso nessa defesa, devem desde logo responder aos portugueses empregados como pensam que serão efectivamente suportados esses seus empregos numa época de enorme crise em sectores produtivos tradicionais hoje em franca perda competitiva internacional e quando a concorrência ainda é muito baseada nos baixos níveis salariais (concorrência pelos preços).

Quando também é conhecido que em anos anteriores em Portugal a produtividade do trabalho não acompanhou o aumento dos níveis salariais e os novos acréscimos pretendidos irão provavelmente determinar uma nova perda de competitividade relativa, o que inviabilizará garantir externamente a salvaguarda da capacidade concorrencial das empresas nacionais, que lhes dificultará imenso exportarem os seus produtos para os mercados tradicionais da Europa.

Se tal vier a acontecer, como poderão as empresas portuguesas repor a sua capacidade concorrencial interna e externa? Sobreviverão essas empresas nesta época de grave crise? E os empregos dos trabalhadores como ficarão então?

Seria indispensável ver os defensores dos aumentos salariais nesta situação económica gravíssima explicitarem as políticas económicas que deveriam ser direccionadas para resolver os problemas dessas empresas dos sectores em risco, sabendo-se que nos sectores tradicionais muitas delas se situam em zonas geográficas longe dos poderes de Lisboa. E que são também as únicas possibilidades de emprego de muitas famílias nessas zonas em que se localizam, como tem estado infelizmente visível nos últimos meses em que o número de desempregados aí tem subido vertiginosamente.

Ninguém quer nem gosta de salários mínimos, mas a economia tem as suas leis, tem as suas estruturas empresariais, a sua história sectorial, os seus níveis de competitividade e de criação de riqueza, e desconhece-las sempre se demonstrou ser mau sobretudo para os mais fracos que acabam por pagar retóricas político-ideológicas pretensamente benévolas.

E esses trabalhadores de baixas qualificações e escolarização são, infelizmente como em inúmeras outras situações se tem visto, ao final de pouco tempo, vítimas dessa propalada extrema justiça e ficam abandonados ao desespero do seu desemprego e da pobreza das suas famílias. Contribuindo então para reforçar as cadeias de desespero e de miséria. Porque o emprego, ele sim, é nestes casos o mais eficaz antídoto para essa pobreza e exclusão.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

PortugalMente: Portugal e o Futuro e o Futuro de Portugal!


Portugal está neste momento preciso colocado perante uma encruzilhada da sua história como país e como nação.

A continuar o caminho de decadência e de definhamento económico, social, cultural e de valores que tem vindo a ser trilhado, o país estará certamente ameaçado a prazo na sua existência soberana.

Está formado desde há praticamente uma década um caldo cultural e governativo, bem como de falta de vontade de mudança nas elites políticas, que compromete seriamente o futuro de Portugal.

É absolutamente vital encontrar novos caminhos de afirmação do país, pensar e repensar o seu papel na Europa e no Mundo, definir novas estratégias económicas, políticas e sociais.

Em suma, é imprescindível a todos os “portugueses de boa vontade” contribuírem activa e empenhadamente para evitar a queda de Portugal num fosso profundo de consequências imprevisíveis e provavelmente insuportáveis. E dar aos portugueses que são ainda jovens a esperança de poderem viver e continuar um país de séculos.

O futuro de uma nação e a permanência de um país não se constroem sem serem profundamente analisadas as causas da sua degenerescência progressiva e continuada, sem se discutirem e resolverem os estrangulamentos que agora existem.

Portugal merece mais, muito mais, e a sua longa história de independência e de dificuldades imensas superadas em vários séculos espera que aqueles que hoje sentem o chamamento nacional possam encontrar as soluções que o momento de sobressalto histórico impõe.

O PORTUGALMENTE vai a partir de agora tentar contribuir modestamente, mas também com o melhor das suas capacidades e motivações, para encontrar os caminhos que garantam o futuro independente e digno de Portugal.

José Pinto Correia
30 de Outubro de 2009

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A Europa e o Mundo no Novo Milénio


Durante os últimos cinquenta anos do século vinte o Mundo assistiu a uma evolução constante e profunda em muitos domínios. Foi a grande mudança das tecnologias, entre as quais as da comunicação e informação e da medicina, como a ascensão de muitos países a regimes políticos democráticos.
Lembremo-nos que o Muro de Berlim, que dividia o leste do ocidente ruiu em 1989, dando-se desde então início a uma era em que deixaram de existir os dois blocos de poder rivais. Estava findado um período de mais de quarenta anos, desde o fim da segunda guerra mundial em que se defrontaram duas concepções antagónicas de organização política, social e económica do Mundo – o capitalismo democrático e liberal do ocidente liderado pelos Estados Unidos da América contra o comunismo colectivista e de democracia popular do leste comandado pela União Soviética.
Neste período de meio século, o Mundo tinha-se quase unificado por um renovado processo que agora se denomina de globalização competitiva. Todos os países e lugares da Terra passaram a ser interdependentes, porque as tecnologias da comunicação e da informação, dos transportes terrestres e aéreos, as produções das grandes empresas e o seu poder económico global, os computadores e as suas potencialidades sem fim, reduziram as distâncias entre os lugares e as pessoas e ligaram-nas numa verdadeira “cadeia universal”. Morreu a distância, fluidificaram-se as fronteiras nacionais, reconfiguraram-se os espaços regionais, nacionais e locais, apertou-se o tempo, mudaram-se as rotinas e os instrumentos pessoais.
Os países ficaram deste modo menos isolados sobre si-próprios e tenderam a estabelecer relações de mais íntima cooperação geográfica. Nasceram as modernas organizações supra-nacionais que agrupam países em áreas continentais, de modo a facilitarem as respectivas relações económicas, sociais, culturais e políticas.
O exemplo mais avançado desta congregação de interesses e vontades entre países é a agora denominada União Europeia (que anteriormente se denominara de Comunidade Económica Europeia e de Comunidade Europeia). Nesta União existe já hoje um elevado grau de integração económica e uma colaboração e cooperação política também assinalável que tem permitido à Europa viver um dos seus mais longos períodos de paz e crescimento económico. A União Europeia (UE) já hoje inclui 27 estados membros e constitui o maior espaço económico e comercial do Mundo.
Todavia, em 2001 com o atentado às Torres Gémeas de Nova Iorque houve uma alteração radical na forma de ver e governar o Mundo. Este atentado, perpetrado pela organização terrorista global Al-Qaeda, de inspiração islâmica fundamentalista, veio desestabilizar o equilíbrio que se tinha vindo a criar a nível global depois da queda do Muro de Berlim. Há um Mundo antes e outro depois do onze de Setembro.
O terrorismo global é hoje uma ameaça séria ao regular e pacífico viver do denominado “Mundo Ocidental” e também a muitos dos países árabes e muçulmanos onde imperam regimes de cariz não fundamentalista que tem maiores níveis de intimidade com o Ocidente. Provavelmente neste Mundo pós guerra-fria vai permanecer durante muitos anos uma nova guerra que alguém já chamou de “Guerra das Civilizações” onde a inspiração religiosa fundamentalista e bárbara vai perturbar a salutar convivência entre povos, que todos pareciam desejar e o Mundo mais justo e próspero mereceria.
Neste novo enquadramento internacional em que têm vindo a emergir novos centros de poder económico e geopolítico, com destaque para a China e a Índia, a situação relativa da Europa apresenta fragilidades estruturais flagrantes. Desde logo em matéria demográfica o continente europeu está em franco declínio, com fracas taxas de natalidade e franco grau de envelhecimento médio da respectiva população. O que coloca enormes constrangimentos ao desenvolvimento económico, à coesão social e à capacidade de sobrevivência dos actuais modelos de estado social criados em ambientes anteriores de grande crescimento económico e populacional.
Já hoje é possível prefigurar a deslocação da importância económica para o continente asiático, a par da importância tradicional dos EUA, com perda altamente provável da relevância secular da Europa.
As forças principais que definirão a balança de poderes mundiais nas próximas décadas jogam francamente em detrimento da Europa, que terá de encontrar estratégias de reposicionamento e de reconfiguração dos seus potenciais, sob pena de vir a tornar-se, como muitos analistas insuspeitos já hoje afirmam, um continente despiciendo no jogo mundial de poderes geopolítico e geoestratégico do século vinte e um.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Saramago: Nobel ou Torquemada Ateu?

Eis que surge alguém que põe nome à coisa. O deputado europeu Mário David convida o Nobel José Saramago a escolher agora, tal como anteriormente já ameaçara fazer, a renúncia à cidadania portuguesa (de acordo com uma notícia do Jornal Público de hoje).

O Nobel Estalinista que nos saiu em rifa, e que para triste infelicidade portuguesa não faz jus a muitos dos outros nossos melhores escritores, não pára de derramar sobre os pobres de Cristo desta Terra Santa, e oportunamente consagrada, a sua indisfarçável truculência e o mais veemente fel.

Da intolerância esteve também o imenso Gulag cheio, mas desse, que marcou quase um século e recente, o insigne dilecto não trata. E Torquemadas ateus não fazem falta a um povo que quer construir o seu futuro na compreensão das diferenças e na convivência entre os que as detêm.

A democracia, que não é a ditadura de ninguém e muito menos dos que são apóstolos do totalitarismo que nega os direitos da pessoa humana, não é o regime do cavaleiro apocalíptico da "Ordem Saramago".

Que a excelência sapientíssima fique bem na sua soberba presunção, lá para os confins da Espanha onde preferiu viver, depois de ter empochado os dinheiros nóbeis. Por certo, lá em Lanzarote poderá continuar a viver na companhia que escolheu, deixando em paz aqueles que apenas lhe serviram a bandeja em que vem amealhando e a Casa dos Bicos onde a sua apregoada grandiosa eloquência e o já reconhecido fanatismo para com as crenças dos seus conterrâneos irão ficar.

Enquanto ali ao lado a "Casa de Pessoa" luta desesperadamente há anos por ver a luz do dia de um projecto que faça justiça a um Grande Português, que reconhecia as coisas complexas da fé, tinha passado para além delas, mas nunca aviltou com pretensão e desprimor o seu imenso e profundo significado.

Uma pátria é a sua língua, como ele dizia, mas também as suas gentes, de hoje e de sempre...!

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016

O Rio de Janeiro no Brasil acabou de sair vencedor da corrida olímpica das cidades mundiais candidatas à realização da edição dos Jogos Olímpicos de 2016.

Claro que o Brasil, como país hospedeiro dessa edição dos Jogos, hoje já é uma potência mundial emergente que tem inclusive assento no clube do denominado G20. Claro é também que o país poderá pagar a astronómica conta dos Jogos com a ascensão flagrante do seu poderio económico. Mas é uma enormíssima ilusão, senão mesmo estultícia, pensar que os biliões de dólares, as muitas e muitas centenas de milhões de contos na nossa antiga moeda, que vai ser a conta final a pagar pelos Jogos de 2016, vão resolver ou sequer passar perto de tentar resolver os gravíssimos problemas de miséria e insegurança que tem o Brasil ou melhor o Rio de Janeiro.

A festa, a enorme festa dos Jogos, não servirá, como nunca em outro lado serviu, para resolver problemas económicos e sociais e a pobreza manifesta ou a insegurança flagrantemente vigente. Esse não é nem nunca foi o desiderato dos Jogos, e só lateralmente aos objectivos próprios do evento desportivo é que poderão existir intervenções que possam ter alguma incidência na minimização das graves carências e desigualdade social e de rendimentos ou na melhoria dos níveis de segurança vigentes no Rio de Janeiro ou no Brasil. Tudo o que normalmente é dito em contrário pelos óbvios interessados e promotores dos Jogos, desde os políticos aos dirigentes desportivos ou empresariais envolvidos, é mera ilusão e retórica que se destina a ajudar a vender o evento ao povo do país hospedeiro dos Jogos.

Neste momento em Pequim, por exemplo, o estádio monumental do “Ninho do Pássaro” já está a ser transformado em centro comercial a retalho. E a Grécia, que realizou a edição dos Jogos de 2004, ficou como se sabe endividada e com as infra-estruturas desportivas votadas às moscas e ao mais completo e miserável abandono. Depois de os Gregos terem pago pelos Jogos mais de dez mil milhões de euros num evento inicialmente orçamentado em menos de metade desses mesmo valor. No Reino Unido que terá a edição de 2012 já se prevêem gastar mais de nove biliões de libras quando estiveram contabilizados menos de um terço desse valor nos orçamentos inicialmente apresentados ao Reino de Sua Majestade (prestados no Parlamento em sucessivos Relatórios públicos).

Claro que o Presidente Lula e o responsável do Comité Olímpico Brasileiro, que é ainda pior do que o nosso Comandante eterno em Portugal, cantaram vitória e encenaram rigorosamente a imensidão do desafio. Mas quem terá de liquidar as contas, real por real, ano a ano, e até ao fim, são os pagadores de impostos brasileiros, e o dinheiro, melhor a montanha de reais, que vai para a festa dos Jogos não vai para escolas, casas de habitação social, hospitais, jardins de infância, pequenas estruturas desportivas locais, apoios sociais para idosos, doentes, desempregados, etc., quer no Brasil quer no próprio Rio de Janeiro.

Claro que o Brasil ganhou os Jogos de 2016, vai pagá-los com impostos de muitos anos, terá o Rio de Janeiro de cara lavada, terá muitos milhões de brasileiros nas ruas a aplaudir, dará muitos empregos na construção, terá novos estádios, pavilhões, piscinas olímpicas, etc. Mas ficarão muitas outras coisas muito urgentes e criadoras de mais equilíbrios e justiça sociais por fazer ao mesmo tempo que tudo aquilo será feito a pensar quase estritamente nos Jogos Olímpicos.

Isso é certo, e infelizmente para muitos dos pobres e excluídos e carenciados do Rio e do Brasil, porque os recursos económicos e financeiros, mesmo de uma potência económica mundial emergente como já é inquestionavelmente o Brasil, não são inesgotáveis. Os muitos e muitos milhões de reais que vão ser gastos num lado não poderão ao mesmo tempo ser gastos noutros lados e coisas. Este é, aliás, um dos princípios económicos básicos que terá evidentes consequências políticas e sociais para o Rio de Janeiro e o Brasil de 2016 e anos futuros.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Desporto Escolar e Grandes Eventos Desportivos para o PS


O Primeiro-Ministro de Portugal no final de toda uma legislatura e já praticamente no âmbito da campanha eleitoral para as eleições legislativas falou finalmente sobre o desporto, a sua importância na sociedade portuguesa e também sobre o sucesso da sua política neste mandato que agora termina. E acrescentou depois as principais opções políticas para aquela área numa eventual nova legislatura sob a égide do seu Partido Socialista.

No Fórum do Desporto das Novas Fronteiras onde falou há apenas alguns dias, José Sócrates afirmou estar orgulhoso do trabalho desenvolvido pelo seu Governo na área desportiva e reforçou a importância do apoio ao desporto escolar. E disse também que “A organização de grandes eventos desportivos internacionais é absolutamente fundamental para um país como Portugal, pois isso promove a prática desportiva, induz o investimento em infra-estruturas desportivas e porque isso é o melhor contributo para a afirmação de Portugal do ponto de vista internacional" (sic).

Quanto à importância do desporto escolar no âmbito das políticas públicas de desenvolvimento desportivo ela é inquestionável. A prática desportiva regular ao longo da vida, a detecção de talentos para a competição de alto rendimento, a alimentação do desporto federado e dos clubes desportivos com atletas praticantes regulares, a valia social de integração de populações desfavorecidas, a disseminação de valores de competição e de superação das limitações e capacidades individuais, a protecção e promoção de hábitos de vida saudáveis, o combate a várias doenças predominantes nas sociedades de abundância ocidentais, tudo isto, bem como o estímulo ao melhoramento do capital social e ao desenvolvimento harmonioso das comunidades locais, fazem do desporto escolar um instrumento e subsistema essencial ao desenvolvimento sustentado do desporto português.

Só que agora aqui impõe-se perguntar se esse foi o caminho seguido na anterior legislatura pelo Governo Socialista de José Sócrates. Se, nomeadamente, foram dados ao desporto escolar os recursos financeiros e humanos, foram feitas as relações interdepartamentais necessárias entre os departamentos governamentais da educação, do desporto, da saúde e as autarquias locais, foram estabelecidos os adequados programas nas escolas, foram feitos trabalhos de ligação com as autarquias e desenvolvidos quadros sistemáticos de políticas de fomento do desporto escolar local, ou se foram estabelecidos os quadros organizativos que dariam ao desporto escolar o impulso que uma política integrada de desenvolvimento do desporto efectivamente exigiria?

Que se conheça publicamente do trabalho desenvolvido pela Secretaria de Estado do Desporto ao longo da presente legislatura nunca houve efectiva ligação interdepartamental com o Ministério da Educação nem com as autarquias, nomeadamente nestas através da respectiva Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP).

Nem no Instituto do Desporto de Portugal, que depende organicamente da Secretaria de Estado do Desporto, mesmo depois de ter sido revista a sua estrutura orgânica e adequados os respectivos estatutos, foi possível identificar qualquer esforço coordenado e sistemático na direcção do fomento do desporto escolar. O que aliás não é inusitado porque a Secretaria de Estado do Desporto nunca apresentou preocupações significativamente audíveis relativamente a esse mesmo desporto escolar, o qual continuou completamente entregue apenas ao Ministério da Educação.

Ora, ao que se viu durante toda a legislatura, o desporto escolar restringiu-se organizativa e financeiramente aos esforços dos Ministério da Educação, onde deteve uma pequena representatividade e nível de organização, e às autarquias locais, estas no domínio das suas políticas locais respectivas e na medida em que apoiavam o trabalho desenvolvido nas escolas da sua jurisdição territorial.

E estas duas entidades, Ministério da Educação e Autarquias Locais, eram na prática real as únicas responsáveis pelo desporto escolar, de forma efectiva, sem que tenha sido perceptível a existência de qualquer esforço organizativo ou sistemático da Secretaria de Estado do Desporto para com esse desporto escolar.

Por isso, então o que vai mudar para a nova legislatura que aí se avizinha com o Programa do Partido Socialista para que o desporto escolar, na sua importância e significado organizacional, estrutural e social, passe das palavras de circunstância para o terreno dos programas, das estratégias e das acções concretas de desenvolvimento desportivo?

Aqui há que ir ao Programa Eleitoral do Partido Socialista e ver que nele sobre esta matéria se diz apenas o seguinte: “(…) Consolidar o aumento da prática desportiva na escola, em articulação com o sistema educativo, contribuindo para estender o desporto a toda a escolaridade obrigatória, no contexto estratégico de uma «Escola a tempo inteiro» (…)” (citação).

Fica-se por conseguinte apenas no domínio das intenções genéricas sem se apontarem os modelos de cooperação interdepartamental, os programas e as estratégias de intervenção e fomento ou mesmo as estruturas e os processos de melhoria organizacional do desporto escolar.

Quanto à importância atribuída pelo Primeiro-Ministro aos grandes eventos desportivos, as afirmações proferidas e acima referidas, mereciam que em Portugal se realizassem estudos sérios que pudessem comprovar sobre a efectiva relevância desses eventos nos aspectos a que José Sócrates faz referência. Quer, como ele diz, como estimuladores da prática desportiva, quer como geradores de novas infra-estruturas desportivas ou mesmo como contribuintes para a afirmação internacional do País.

E isto devia ocorrer à semelhança do que é feito em muitos outros países, com destaque para o Reino Unido como aqui neste sítio já detalhadamente se expôs. Desde logo porque em Portugal este tipo de estudos não são habitualmente realizados, por isso não se conseguem provar consequentemente os efectivos benefícios para o fomento da prática desportiva dos maiores eventos desportivos recentemente realizados no País.

Essas nem têm sido, aliás, preocupações conhecidas das autoridades públicas desportivas, nem mesmo das associações federativas que os promovem. Porque nos estudos internacionais, muitos deles de carácter académico e científico, em casos conhecidos mesmo inseridos em publicações académicas de economia e gestão do desporto, ou em livros internacionais de economia dos eventos desportivos ou do desporto, que se vão realizando e editando em muitos países sobre os efectivos impactos dos grandes eventos, não se confirmam tão categoricamente, como agora o nosso Primeiro-Ministro afirma, esses efeitos da realização de grandes eventos desportivos para os países ou mesmo estados de países federados onde eles se realizam.

E isto tanto ocorre nos maiores eventos mundiais, como o são os Jogos Olímpicos e os Campeonatos Mundiais de Futebol, como em outros tipos de eventos desportivos de menor envergadura de outras modalidades desportivas.

Acontece em bom rigor que nada do que respeita à análise dos efeitos ou impactos desportivos ou de outras naturezas dos grandes eventos desportivos para os países que os realizam é tão simples e significativamente afirmativo como referiu o nosso Primeiro-Ministro naquele Fórum do Desporto.

Por exemplo no Reino Unido, que temos estudado e referenciado por diversas vezes em outras oportunidades e neste mesmo sítio, começaram por se estudar os impactos da realização dos Jogos Olímpicos de Londres muito antes da sua atribuição pelo Comité Olímpico Internacional e com recurso a uma metodologia inovadora neste tipo de estudos que foi a análise de custos-benefícios. E para a candidatura à realização do Campeonato Mundial de Futebol em 2018 foi feito em Inglaterra, mais de três anos antes da candidatura efectiva entregue em 2009 na FIFA, um estudo de viabilidade da candidatura por impulso do então ainda Ministro das Finanças Gordon Brown (hoje Primeiro-Ministro como sabemos).

Ora, é muito importante destacar também que a candidatura efectiva do Reino Unido, amplamente discutida e preparada ao longo de vários anos pelas respectivas organizações políticas e desportivas envolvidas, só veio a ser apresentada à FIFA já depois da candidatura conjunta de Portugal e Espanha ter sido avançada naquele organismo internacional. E em Portugal e Espanha, ao que é público e reconhecido, não existiu praticamente discussão sobre a candidatura que em Portugal nem oficialmente recebeu o apoio governamental explícito e formal.

O que acontece lamentavelmente é que esta candidatura conjunta dos dois países não tem ainda hoje em Portugal qualquer estudo conhecido que a suporte e sustente, ainda que esse estudo já tenha sido prometido há muitos meses pelo respectivo Presidente da Federação Portuguesa de Futebol interessada com a indicação de que seria rapidamente disponibilizado à opinião pública nacional. E ainda agora não se conhece qualquer compromisso efectivo do Governo português à sustentação da realização do evento, mesmo depois de a intenção de candidatura ter sido apresentada na FIFA pelas duas Federações envolvidas.

Aliás, é de destacar o facto estranho de, já depois do actual Secretário de Estado do Desporto ter demonstrado há vários meses interesse pessoal naquela candidatura, ainda que não vinculando o Governo de Portugal como é óbvio, o Programa Eleitoral do Partido Socialista ser completamente omisso quanto a esse apoio formal à realização do Campeonato Mundial de Futebol de 2018 em Portugal.

Aliás, deve também dizer-se que ainda hoje não foi realizado nenhum estudo que tente avaliar os efectivos impactos desportivos da realização do EURO 2004 em Portugal; e incluem-se nestes, nomeadamente para ir de encontro às afirmações tão categóricas do Primeiro-Ministro de hoje, aqueles que medissem os aumentos efectivos da prática desportiva no futebol e outras modalidades relevantes nos locais onde se realizaram as infra-estruturas do evento, por exemplo. Nem nunca se mediram os efeitos/impactos económicos efectivos dos diferentes estádios de futebol que serviram o EURO 2004, sabendo-se que em vários deles as assistências regulares de espectadores têm sido francamente reduzidas; e no caso do estádio do Algarve ele nem sequer tem eventos desportivos de futebol regulares mas ao invés faz incorrer duas Câmaras Municipais em encargos anuais significativos para acautelar a sua manutenção e conservação.

Como já em outra ocasião escrevemos, no Reino Unido a entidade encarregada de avaliar as candidaturas internas para a realização de eventos desportivos, bem como a que tem procedido à medição efectiva dos impactos económicos de muitos desses eventos que no país se têm vindo a realizar, é o UKSport. Esta agência de natureza não-governamental é também a líder da concretização das políticas de fomento e de desenvolvimento do “desporto de elite do Reino Unido”, conduzindo também, por isso mesmo, o processo de financiamento da participação Olímpica do país.

O UKSport tem como sua estratégia global quanto aos eventos desportivos a de apoiar aqueles que tenham relevância estratégica e que produzam, ao mesmo tempo, um conjunto de benefícios duradouros de carácter desportivo, económico e “sócio-cultural”.

Em Portugal, como se viu pela prática efectiva desta legislatura que agora termina, estivemos sempre muito longe de nos aproximarmos, quer na política de fomento do desporto escolar quer na da percepção dos reais efeitos da realização de eventos desportivos no País, daquilo que seria próprio de uma política desportiva evoluída e de boa e adequada sustentação estratégica. Toda a legislatura decorreu aliás sem que fossem promovidos estudos regulares sobre temas de economia e gestão desportiva, o que atesta da insuficiência de fundamentação de muitas das opções políticas seguidas durante o mandato que agora vai terminar. E o que é mais preocupante é que em nada parece que se vá mudar muito com o discurso supra-referido do actual Primeiro-Ministro e líder do Partido Socialista nem com as afirmações e propostas contidas no Programa Eleitoral respectivo (ver o texto integral do Programa que foi exposto num post anterior).

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto